O "Fórum das Regiões", defende uma Região Norte coincidente com a actual região-plano (CCDR-N) e um modelo de regionalização administrativa, tal como o consagrado na Constituição da República Portuguesa.

O "Fórum das Regiões", considera a Regionalização o melhor modelo para o desenvolvimento de Portugal e para ultrapassar o crescente empobrecimento com que a Região Norte se depara.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

As cobaias

Há muito que deixou de haver dúvidas sobre a impreparação da troika para encontrar as medidas adequadas à sólida recuperação dos países que se encontram sob resgate. Muita e boa gente tem questionado, ao longo destes três anos, o envelope de imposições feito pelos credores, contendo objetivos não conciliáveis no prazo que nos foi determinado. Pretendeu-se ter sol na eira e chuva no nabal, o que a sabedoria popular sempre referiu para identificar soluções impossíveis.

Porém, quem não pensa assim é, desde sempre, o Governo e, mais recentemente, o presidente da República. Para eles, os sinais que vamos colhendo da atividade económica parecem ser já suficientes para garantir que o pior já passou. Assim seja! Mas é imprudente admitir que os dados conhecidos significam que, afinal, estamos no bom caminho e que tudo acabou por dar certo, apesar da desigualdade dos sacrifícios infligidos. Claro que se percebe a tentativa de incutir neste momento algum ânimo nos agentes económicos, sem o que a tarefa de dar alguma consistência aos resultados proclamados se esvairá rapidamente. O objetivo político número um, que é agora para o Governo poder assumir a 17 de maio a "libertação" da troika vale, segundo eles, todos os artifícios.

É evidente que, para já, há dados que se apresentam como positivos. A melhoria da balança comercial pelo lado das exportações é evidente (apesar do relevo assumido pelos combustíveis fósseis); a redução do défice para 2013, pelos vistos bem para além do negociado, é também favorável (embora recorrendo a receitas irrepetíveis e com um rol de sacrifícios impostos aos portugueses sem que tal fosse imperioso); e a recente emissão de dívida pública a três meses e a um ano, a taxas de juro bem mais baixas do que em novembro, é outro bom sinal (embora este seja o mais volátil de todos os indicadores).

Estes são os dados favoráveis incessantemente apregoados pelo Governo. Mas há, por outro lado, alguns fatores que não podem deixar de ser encarados com apreensão.

A dívida teve um percurso diferente do negociado, aumentando consideravelmente; e o desemprego, apesar de nominalmente ter sido apresentado com uma taxa menor, não tem um decréscimo virtuoso. O número de empregos criados é bem menor do que o número de empregos destruídos, pelo que o "milagre" se deve à enorme emigração forçada e ao subemprego.

Depois, fala-se ainda do aumento do número de automóveis vendidos e de uma inversão de tendência no setor imobiliário como sendo prenunciadores de uma viragem económica (a meu ver, como já antes aqui referi, por razões alheias às políticas inicialmente definidas pelo Governo para o ano findo). Só que, por outro lado, é preciso referir dados menos favoráveis que aparecem a contrariar aquela tendência, como mais um decréscimo de 13%, em termos homólogos, no setor da construção civil.

A presidente do FMI e relevantes funcionários da organização já antes tinham confessado os erros que cometeram quanto à avaliação que tinham feito sobre os efeitos da austeridade. Mas agora é o Parlamento Europeu, sem dúvida a mais isenta e democrática de todas as instituições, quem faz uma avaliação das intervenções da troika junto dos estados-membros sob assistência financeira, para poder definir regras que orientem futuras intervenções da União Europeia. Os relatores estão a fazer um périplo por esses estados, tendo já visitado o nosso país.

E o que dizem os representantes do PE na sua proposta de relatório? Sendo impossível aqui reproduzir a sua extensa análise e propostas, retenho duas importantes declarações. A primeira é a de que o PE "lamenta o facto de a UE e as instituições internacionais, incluindo o FMI, não estarem preparadas para uma crise das dívidas soberanas de grandes dimensões numa união monetária". Depois, afirmam lamentar "os pressupostos por vezes excessivamente otimistas da troika, em particular no respeitante ao crescimento..." e consideram "que tem sido prestada muito pouca atenção à minimização do impacto negativo das estratégias de ajustamento nos países do programa". Não, não é a oposição ao Governo nem qualquer comentador mais duramente afetado pelas medidas de austeridade que o diz. São os relatores do Parlamento Europeu na sua missão de informação e controlo das instituições europeias.

Se dúvidas ainda houvesse, ficariam agora dissipadas - estamos a ser objeto de experimentação, a ser cobaias num banco de ensaios com resultados, para já, muito duvidosos. Um dia haveremos de sair desta situação, estou certo. Mas pelo caminho fica um rasto de degradação social em muitas e muitas famílias que jamais esquecerão o tempo que hoje vivemos.


Fernando Gomes, no JN

A história da empresa criada uma semana antes de ganhar um ajuste directo do Estado

Uma empresa com dias de vida ganha um ajuste directo. 74 mil euros. Um dos sócios trabalhou durante anos com quem adjudicou o trabalho. A outra sócia nega que a criação da empresa tenha tido por fim “esta específica contratação de serviços”. De qualquer modo, já se demitiu da chefia do Ministério da Administração Interna, onde trabalhava.

2 de Janeiro. A Autoridade Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) decidiu que iria contratar, sem concurso e por ajuste directo, uma empresa para "apoiar a reorganização da urgência metropolitana da Grande Lisboa e a reforma hospitalar".

3 de Janeiro. Data da publicação da criação POP Saúde, segundo aponta o “Diário de Notícias”, que cita informação no Portal de Justiça.

8 de Janeiro. Há luz verde para seguir com a adjudicação, conforme decide a ARSLVT. A POP Saúde, criada cinco dias antes, é a escolhida.

10 de Janeiro. O contrato entre a ARSLVT e a POP Saúde é assinado. São 74.390,40 euros ao longo do ano, com IVA. 5.040 euros por mês. 

O início da história conta-se com estas datas, avançadas nos últimos dias pela imprensa. A empresa POP Saúde, criada no início de 2014, tem como sócios Miguel Soares de Oliveira e Rita Abreu de Lima, casados.

Soares de Oliveira foi presidente do INEM entre 2010 e Outubro de 2013. Rita Abreu de Lima era chefe de gabinete do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo.

A ARSLVT tem reiterado aos vários órgãos de comunicação social que o processo faz todo o sentido. “A formação académica do consultor contratado, nomeadamente as suas três licenciaturas em medicina, gestão e economia, a par com o mestrado em medicina de emergência, bem como o percurso profissional como médico e dirigente no âmbito do Ministério da Saúde, fazem dele um elemento único no país e de inegável valor para a ARSLVT”, indicou a assessoria da entidade ao “Diário de Notícias”.

“A sua disponibilidade no mercado, associado à necessidade da sua contratação, foram decisivos para a sua imediata contratação”, acrescentou ainda a mesma fonte.

Ao “Público”, também o presidente da ARSLVT, Luís Cunha Ribeiro, tinha declarado que “é difícil encontrar alguém com a formação e a experiência” de Miguel Oliveira. Cunha Ribeiro e Oliveira trabalharam juntos no INEM entre 2003 e 2008.

Entretanto, a 15 de Janeiro, depois de perguntas feitas pelo jornal “i” sobre o ajuste directo, noticiada em primeira-mão pelo “Correio da Manhã”, Rita Abreu de Lima apresentou a demissão. Apesar disso, a antiga chefe de gabinete de Macedo garantiu que “a criação da empresa não teve por fim esta específica contratação de serviços” e rejeitou ter tido qualquer envolvimento neste processo. Miguel Oliveira tem remetido declarações para a ARSLVT.

O "i" escreveu quinta-feira que não era possível saber ainda se o contrato poderia ser anulado

Fonte: Jornal de Negócios

OE2012. Responsabilidade do incumprimento cabe ao FMI e à CE, diz Silva Peneda

Fórum das Regiões: E só agora é que chegaram a essa conclusão? Estranho, não?


No entender do responsável, o programa de ajustamento elaborado pela troika falhou, uma vez que "esqueceu a realidade do país"

O presidente do Conselho Económico e Social (CES) afirmou hoje que a "responsabilidade" dos sucessivos desvios das previsões macroeconómicas de 2012 cabem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e à Comissão Europeia (CE) que impuseram a Portugal um programa "mal desenhado".

"A responsabilidade fundamental do programa de 2012 cabe ao FMI e à CE e à forma como foi imposto um modelo perfeitamente desadequado à realidade da economia portuguesa", afirmou Silva Peneda, no parlamento.

O presidente do CES está a ser ouvido esta manhã na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Administração Pública sobre a Conta Geral do Estado de 2012.

Silva Peneda lembrou que os sucessivos desvios das previsões macroeconómicas de 2012 "mostram que as medidas impostas pela 'troika' e entretanto concretizadas eram desadequadas à realidade da economia e da sociedade portuguesas", uma ideia já expressa pelo CES no parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2012.

O presidente do CES remeteu para o parecer elaborado na altura que alertava para o facto de o caminho imposto pelos credores internacionais - FMI, CE e Banco Central Europeu (BCE) - não ser "o mais adequado para a recuperação da economia portuguesa".

No entender do responsável, o programa de ajustamento elaborado pela 'troika' falhou, uma vez que "esqueceu a realidade do país".

"O CES foi a primeira entidade que referiu que o programa da 'troika' foi mal desenhado e dissemos ao Governo que atacar dois objetivos da mesma forma - o desequilíbrio externo e o défice orçamental - era impossível num prazo tão curto", afirmou Silva Peneda perante os deputados.

Com base na aplicação do programa, em 2012 "acentuou-se a diminuição da procura interna, houve um desequilíbrio interno e por causa desta redução da procura e da recessão o défice não foi atingido", sublinhou.

Defendeu, por isso, numa altura em que se fala da saída da 'troika' em maio deste ano, a elaboração de um programa de médio prazo, a dez anos, que deverá contar com o consenso de todos os quadrantes da sociedade.

"Os problemas da economia portuguesa continuam, apesar da saída da 'troika'. Se não houver consenso, serão os credores a impor regras.


Fonte: Jornal I

O taxista e o Fisco no Ano Novo

Se tiver memória, há pelo menos um português confuso à entrada do Ano Novo. É taxista e ainda lhe deve zumbir nos ouvidos o pronunciamento do nosso primeiro-ministro a 9 de outubro. Naquele dia, sob o título "O país pergunta", um grupo de vinte cidadãos foi convidado para fazer perguntas ao nosso primeiro-ministro nos estúdios da RTP1. O bom do taxista resolveu confrontar Passos Coelho com o elevado preço dos combustíveis e obteve uma resposta de todo inesperada.

Num minuto, entre as 22.11 h e as 22.12 h, o chefe do Governo não se limitou a dar conta da impossibilidade de o Estado poder intervir na fixação de preços, já que "os combustíveis em Portugal estão liberalizados" - algo de difícil crença tamanha a concertação de preços das companhias gasolineiras. Passos Coelho deu a seguir a explicação técnica segundo a qual só pelos impostos sobre os produtos petrolíferos e o IVA seria possível descer os preços, e foi franco: o Governo "não pode dispensar" tal receita. E, espanto dos espantos!, juntou as duas argumentações para tirar uma terceira conclusão surpreendente: se os preços fossem mais baixos, "também estaríamos a dar um mau sinal", promovendo o uso do automóvel em desfavor da questão ambiental. "Temos de encontrar outras possibilidades, nomeadamente os transportes públicos, o transporte ferroviário", disse o primeiro-ministro, para enfado do taxista e bocejo da audiência.

Pouco menos de três meses depois, em que pé estamos?

A taxação elevada de ISP sofreu um rombo. Pronto, as receitas fiscais do Estado resultantes dos combustíveis entraram em plano inclinado. Dezembro não travará a queda e os números obtidos a 30 de novembro são elucidativos: gasolina e gasóleo renderam menos 40 milhões de euros aos cofres sob tutela de Maria Luís Albuquerque. Ter-se-á então safo o CO2. Só.
O equilibrismo está tão difícil como o encontrar de esquema apelativo.

O Ano Novo traz uma nova estratégia. Contraditória.

Os portugueses precisam de ser atraídos para o combate à fraude fiscal? Os benefícios em sede de IVA para o corte de cabelo, o café no botequim da esquina e o arranjo dos calços de travão na oficina não têm sido tão mobilizadores quanto isso. Daí o Governo ter decidido: roupa, sapatos e compras de supermercado também passam a resultar em benefício fiscal e, a partir de março, serão sorteados automóveis entre os ciosos solicitadores de faturas nas quais conste o NIF! É criativo!

Como os carros podem sair a um qualquer português sem dinheiro para mandar cantar um cego, não espantará sequer que lá mais para a frente tenham de fazer prova de poder aquisitivo para uns litrinhos de combustível se quiserem ir a concurso. A receita de ISP é fundamental.

Ao invés do objetivo de Passos Coelho, continua em perda o transporte público rodoferroviário e só o taxista "ruminante" de outubro e mais uns quantos se lembram das suas tiradas televisivas de então.

O CO2 que se lixe também!

Assim como assim, já no tempo do concurso televisivo "1, 2, 3" os concorrentes optavam por arriscar um automóvel no último lance, recusando-se a trocar um prémio imprevisto por uma mala de dinheiro (de valor às vezes superior ao do "boguinhas") ou uma viagem à volta do Mundo.

Bom Ano Novo.


Fernando Santos, no JN

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O presidente no seu melhor

A mensagem de Ano Novo dita ontem aos portugueses pelo presidente da República é um bocejo. São seis páginas de conversa mole e desinteressante em que Cavaco Silva mostra como politicamente é: um monumento ao taticismo e ao equilibrismo, de modo a não chatear Deus, nem incomodar o diabo.

Ao dar uma no cravo e outra na ferradura, como diz o povo, o chefe de Estado mostra, por outro lado, toda a sua fragilidade enquanto ator político. Num tempo que reclama decisão e ação, o presidente da República escolhe a lassidão (política, claro).

Cavaco Silva está metido na trincheira que o próprio cavou quando, na crise do verão quente de 2013, tentou transformar um triângulo num quadrado, tese em que ontem insistiu, ainda que de maneira mais sibilina. A embrulhada do "compromisso de salvação nacional" foi de tal forma mal gerida e teve um tal resultado que, agora, o chefe de Estado não pode, sob pena de abrir o flanco, tecer um encómio ao Governo ou, ao invés, dirigir-lhe uma crítica mais severa - seria imediatamente acusado de estar a tramar Passos, por quem, como se sabe, não morre de amores.

Piscar o olho a Seguro é, igualmente, possibilidade fora de causa. A inversa também é verdadeira. Um elogio ou um ralhete ao líder do principal partido da Oposição seriam tomados como uma ajuda ao Governo e uma afronta ao PS.

É por estar metido nesta camisa de onze varas que o chefe de Estado nos presenteou com pérolas do seguinte calibre:

- "O desemprego manteve-se em níveis muito elevados". Ai sim?
- "Orgulhamo-nos de viver numa democracia consolidada". Viva!
- "No ano findo, surgiram sinais que nos permitem encarar 2014 com mais esperança". Consta que o comum dos portugueses ainda não avistou tais "sinais", apesar de redobrados esforços para chegar ao final do mês com os bolsos mais compostos.
- "Há que reconhecer o extraordinário esforço feito pelos nossos empresários e trabalhadores". Ai sim?
- "Há razões para crer que Portugal não necessitará de um segundo resgate. Um programa cautelar é uma realidade diferente". A sério?

Há um ano, o presidente da República mandou o Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional, por entender que os gigantes sacrifícios pedidos aos portugueses afetavam "alguns mais do que outros", facto que naturalmente lhe suscitava "fundadas dúvidas".

Este ano, apesar da violência da crise continuar a manifestar-se em todo o seu esplendor, Cavaco não esclareceu sequer se pretende pedir aos juízes do Palácio Ratton ajuda para descortinar eventuais problemas no Orçamento. A razão é simples: o presidente da República odeia, mas odeia mesmo, meter-se em (inevitáveis) problemas antes do tempo.

Paulo Ferreira, no JN

O Mundo está a mexer, e nós a ver

O Mundo está a mexer mas a verdade é que, no meio da nossa crise e angústias, nos fomos talvez desleixando e vendo menos o seu movimento.

Os Estados Unidos, por exemplo (mas também o Brasil), viraram de forma decidida para o continente asiático, de onde percebem sinais importantes de futuro. E o "futuro", esse, mostra tendência curiosa para acelerar, antecipando desenvolvimentos que só esperávamos, de forma algo burguesa, para daqui a algumas décadas.

E nós, por cá?

Nós, por aqui na nossa Europa, deixámo-nos apanhar pela mania de quase só olharmos para o umbigo, seja por efeito da crise que corrói sociedades e valores, seja por efeito da anemia que tomou de assalto a União Europeia e em que não se descobre mezinha que a consiga afastar. Assim, quando um dia arranjarmos tempo para parar e pensar, arriscamo-nos a descobrir que não somos relevantes como futuro, que somos cada menos relevantes como presente. E que, no limite, somos somente passado.

Agora, hoje, e devido a processos de alteração profunda dos poderes internacionais, aquilo que vai ocorrendo no continente asiático tem um impacto muito mais direto, nítido e imediato num plano global do que há uns anos.

A China, segue o seu caminho. Sabe que o tempo corre a seu favor e, muito pragmática, consegue em paralelo harmonizar uma determinada forma (que diz manter, claro) com uma substância cada vez mais diferente. Veja-se como, num espaço de dias, foi capaz de festejar com solenidade o 120º aniversário de Mao Tse Tung como depois, pela mão do legislador, acabar com os campos de reeducação e, no essencial, com a aberrante política do filho único. O líder agora festejado, estou certo, não gostaria nada destas evoluções, e quem lhas tivesse proposto bem faria em só dar tal passo se tivesse as costas muito quentes ou se entendesse já ter vivido o suficiente. Hoje, no entanto, o "velho" Mao continua a ser uma referência unificadora, cada vez mais icónica e menos ideológica, e a sociedade chinesa convive bem com tal circunstância. Mao no mausoléu, a mudança no terreno: pouco a pouco, como convém a um poder que, como acima disse, não tem pressa.

Já mais dificuldades em digerir o passado recente tem o Japão, por muito que diga o contrário. A questão, já se sabe, está relacionada com o papel desempenhado por aquele País logo antes e durante a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha, a bem ou a mal, conseguiu muito melhor essa digestão, porventura porque o que fez foi mais visível e "próximo". Mas, sem atingir os patamares de horror dos nazis, as forças japonesas cometeram atrocidades: sem ir mais longe, penso na "violação" de Nanquim e na prática miserável das "mulheres de conforto".

Sobre tudo isto pesa um manto muito ambíguo. Na recente visita feita a um monumento aos mortos japoneses em combate, é claro que o Primeiro-Ministro japonês não podia ignorar que também estava a honrar criminosos de guerra, cujos nomes lá estão gravados. Não podia ignorar, depois, que com tal gesto estava a provocar a China e a Coreia do Sul, cujos povos tanto sofreram às mãos das tropas imperiais japonesas. Junte-se a este gesto a discussão interna sobre a (re)militarização japonesa perante a "ameaça" do poder bélico chinês e teremos uma desagradável sensação de déjà vu. Um mau déjà vu, por sinal.


Azeredo Lopes, no JN

A crise vai entrar em crise

Foi em 1415, o ano da conquista de Ceuta? Ou um pouco mais tarde, em 1453, quando Constantinopla caiu às mãos do Império Otomano? As opiniões dos historiadores dividem-se quanto ao acontecimento que marca o fim da Idade Média. Há até os que preferem situá-lo em 1492, quando Colombo achou a América julgando que estava a chegar à Índia.

Assinalar marcos cronológicos ajuda à compreensão do passado e facilita a exposição de conhecimentos. Mas pode ser prejudicial se a importância das datas-baliza não for contextualizada.

O assassinato em Sarajevo do arquiduque Francisco Fernando deflagrou a I Guerra Mundial porque foi a faísca que fez explodir o barril de pólvora que a Europa era em 1914. E ao contrário da versão simplex de Sócrates, o Mundo não mudou em 15 dias, após a falência da Lehman Brothers, que foi apenas a gota de água que fez transbordar um copo cheio pelas vigarices e malfeitorias cometidas por um bando de financeiros gananciosos deixados à rédea solta pelos governos.

Eu costumo indicar a compra do BPA pelo BCP, finalizada em março de 1995, como o acontecimento que marcou o início do declínio do Norte e, por arrastamento, do resto do país. Mas a transferência para Lisboa de um dos últimos centros de poder que resistiam fora da capital, bem como a sua concentração em mãos aventureiras (a história recente do BCP encarregou-se de dar razão às profecias de João Oliveira), foi apenas o ato final da tragicomédia do processo de privatizações conduzido por Cavaco.

Em vez de favorecer a consolidação dos grupos privados emergentes, que tinham despontado a Norte após o 25 de Abril, Cavaco preferiu entregar bancos, seguros e grandes companhias, nacionalizadas no calor da revolução, a capitalistas jarretas sem capital, que apenas tinham prosperado à sombra dos favores do salazarismo - e/ou encher os bolsos de comissões e mais-valias a uma corte de laranjinhas sequiosos de dinheiro e poder.

Como sou otimista e confiante no futuro, quero acreditar que a constituição do banco de fomento, prevista para o final da primavera e que coincidirá com a partida da troika, será a data que assinalará o fim do período de estagnação e sacrifício em que vivemos.

Em vez de apostar no jackpot do Euromilhões, prefiro depositar todas as fichas da minha esperança no banco que a partir do Porto vai aumentar a liquidez numa economia exangue e assim tentar compensar os efeitos perniciosos do enorme aumento de impostos, da colossal redução da despesa e da brutal crise de crédito que em três anos retirou 14 mil milhões de euros de financiamento às PME.

Para criarem emprego e aumentarem ainda mais as nossas exportações, as empresas precisam do sangue do crédito a preços competitivos e maturidades razoáveis que lhe tem sido negado pela generalidade da Banca. Religiosos ou não, todos rezamos para que o banco de fomento seja o remédio eficaz para a doença do crédito escasso e caro - e a ferramenta que nos ajude a fazer com que esta crise entre em crise e passe à História.


Jorge Fiel, no JN

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A mão no saco

Uma pessoa entra no mundo das fundações (de qualquer género) e fica estupefacta com a desordem e a estranha ambiguidade a que ele chegou. Que se trata de meter a mão no saco do Estado e no bolso do contribuinte: nenhuma dúvida. Mas não se esperava os requintes de invenção e tortuosidade da coisa. O assunto, em que a imprensa mal tocou, merecia um livro de mil páginas não um artigo de 30 linhas. Comecemos pela Gulbenkian (pedindo desculpa a Artur Santos Silva que só lá entrou ontem). 
Mas quem me explica a mim por que misteriosa razão a Gulbenkian (que é uma das fundações mais ricas da Europa) recebeu do Estado, entre 2008 e 2010, 13.483 milhões de euros? E quem me dá uma justificação aceitável do facto inaceitável de a Gulbenkian continuar a ser uma "fundação pública de direito privado", em vez de ser, numa sociedade democrática, simplesmente uma fundação de direito privado, quando com o estatuto que tem agora o governo pode, quando quiser, "designar ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração"?
E quem me explica a inexplicável existência da Fundação Caixa Geral de Depósitos (a Culturgest)? Não é a Caixa um banco do Estado? Não há no Estado uma Secretaria, ou um Ministério da Cultura? Ou a existência da Fundação Batalha de Aljubarrota (que nos gastou desde 2008 a 2010, um milhão e 900 mil euros) dedicada a "reconstruir" (palavra de honra) o "campo militar" e as "circunstâncias" (não estou a inventar) desse memorável combate (que, de resto, a tropa inglesa ganhou por nós)? Ou a da Fundação Navegar (800 mil euros no mesmo prazo), que pretende o "desenvolvimento cultural, artístico e científico de Espinho? Ou a Fundação Carnaval de Ovar (750 mil euros), que sempre foi, como se sabe, um acontecimento mundial? Ou dezenas de outras fantasias, quase todas sem o mais leve senso e todas sem o mais leve escrúpulo.
Este espaço não basta para contar e analisar a história aberrante das fundações. Mas basta para dizer que o Estado (ou seja, a maioria dos governos democráticos) deixou crescer este monstro e o alimentou durante mais de 30 anos, sobre as costas do cidadão que hoje resolveu patrioticamente espremer. E também chega para notar que os pretextos mais comuns desta razia silenciosa e prática, sempre invocada em tom indiscutível e beato, são dois, cultura e artes, com a ciência a grande distância. Isto é, as fundações servem fundamentalmente para recolher e sustentar a iliteracia e a ignorância indígena (por exemplo 13.672 funcionários nas fundações que Passos Coelho pensa fechar). E o que é que sucedia ao país se ele amanhã parasse de estipendiar esta turba sem nome? Nada, queridos portugueses, rigorosamente nada. E talvez, com isso, o governo adquirisse alguma confiança e dignidade.

Vasco Pulido Valente, no Jornal Público

Deceção, esperança e desejo

2013 foi um ano agitado no poder local. À onda de mudança na liderança das câmaras municipais somaram-se as alterações nos níveis supra e inframunicipais. Num balanço agridoce, lamento o estado comatoso da regionalização, deposito esperança nos novos líderes autárquicos e manifesto um desejo para 2014.

A reforma administrativa, frouxa e pouco consequente, ficou-se por uma polémica fusão de freguesias e pela criação das novas comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas. O desajeitado plano de Relvas, assim como o não mais jeitoso plano da reforma do Estado de Portas, conseguiram a proeza de ignorar a regionalização, quiçá porque está prevista na Constituição.

Com o final do ano já daqui a um par de dias, tenho de sinalizar o meu desapontamento por esta lacuna nas propostas de reforma que o Governo lançou. Ao contrário do que é sempre defendido pelos centralistas, não penso que este seja um momento desadequado para o início da regionalização. Pelo contrário, é sempre preferível reformar em período de austeridade. O escrutínio é mais apertado, não existe a crença de que o crescimento vai sempre acomodar excessos ou gorduras e os recursos de partida são necessariamente mais escassos. Justamente as condições ideais para um processo magro, eficaz, longe das pretensões megalómanas do passado.

Quem conhece Portugal, a sua mentalidade e, sobretudo, a pesada máquina centralista e centralizadora do Estado sabe bem que um processo de regionalização consensual terá de acontecer gradualmente, num equilíbrio que, em cada momento, permita estabelecer as bases de confiança para os necessários avanços sucessivos. Deverá, todavia, ser preservado um fio condutor político muito claro: mesmo quando a descentralização não se possa fazer por completo, a perspetiva regional deve estar presente nos circuitos de decisão nacionais através da participação de legítimos representantes das regiões. Um ótimo ponto de partida seria o fortalecimento da legitimação dos presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional e a sua participação no Conselho de Ministros.

Apesar deste marcar passo, que ameaça eternizar-se, o mundo municipal viveu em 2013 um agitado capítulo da sua história. Por via da lei da limitação de mandatos, a que acresceu o natural descontentamento dos portugueses relativamente às políticas de austeridade do Governo PSD, mais de 200 câmaras mudaram de presidente. Uma revolução, onde entre os novos protagonistas pontuam também vários independentes. A avaliar pelos discursos de tomada de posse, parece existir uma perceção de que se alterou o papel dos municípios face às novas condições e aos novos fatores de competitividade. O discurso da obra física, infraestruturas, equipamentos e urbanização deu lugar ao discurso da economia e da coesão social.

Agora que a poeira das eleições assentou, os novos autarcas enfrentam a realidade. As dívidas, os processos judiciais, as nomeações de última hora, enfim todo um portefólio de problemas que, seguramente, já esperariam. Mas o grande desafio é o planeamento de uma nova geração de investimentos, os tais que se pretendem mais intangíveis. O novo ciclo de fundos comunitários está à porta e 2014 vai ser o ano chave para o desenho de estratégias e projetos que se espera que sejam mais transformacionais que os anteriores.

Neste exercício que se avizinha, há duas ideias de força que devem estar presentes. Primeiro, a de que o município é um facilitador, uma entidade intermediária que procura apresentar a melhor proposta de valor para os seus clientes, os quais para este efeito são os seus residentes, as empresas, as instituições, os investidores, os estudantes e os turistas. Depois, a ideia de que as propostas de valor se expressam no binómio projeto-território. Ou seja, o potencial de utilidade reside nos méritos do projeto para uma determinada realidade territorial, sendo que esta pode ter geometrias variáveis.

No teste prévio do potencial de cada projeto-território importa responder aos sete requisitos sacramentais: é diferente, convincente, adaptável, mensurável, calendarizado, fácil de recordar e defensável? O meu desejo para 2014 é o de que estas questões sejam sempre colocadas antes de cada projeto-território sair do papel.


José Mendes, no JN

preço da desilusão

A primeira vez que estive com Vítor Gaspar foi dias antes de ele apresentar o seu primeiro Orçamento do Estado completo, o de 2012. A reunião, fechada, não uma conferência de imprensa, durou 45 minutos sem grande história quase até ao fim, já que os factos eram aqueles: Portugal tinha sido chutado dos mercados de dívida e forçado a recorrer à disciplina externa. Sabia-se que o ano que vinha aí seria mau, mas a convicção geral, fundada em nada a não ser na mais pura ignorância, era de que íamos corrigir os erros, começar a desalavancar (palavra maldita, ela e o seu contrário) e em três anos estaríamos de pé.

O que fazer na economia já em 2012 para acelerar esse metabolismo era a pergunta central, mas Gaspar não avançou nada naquele encontro. Não adiantou uma medida que fosse do Orçamento. Limitou-se a descrever "os buracos colossais" e, quase no fim, perguntou o que achávamos do que aí vinha. Espantou-me o convite descarado para uma espécie de sessão de male bonding sem imperiais e futebol, em que Sócrates seria o bombo da festa e o Governo, ainda engomado, a governanta, a precetora que nos iria corrigir.

Perguntar a jornalistas o que acham é como oferecer margaridas a um enxame de abelhas. Baixei a cabeça como os alunos cábulas e esperei que outros avançassem. Porque o fiz? Por desconfiança. Tudo aquilo me pareceu incómodo. Gaspar não dissera nada sobre o Orçamento para 2012, por que raio queria vincular-nos ao nada? Os outros seguiram em frente, passaram um cheque em branco ao ministro que veio do frio. Pediram rigor, exigiram dureza, mesmo sem saber do que estavam a falar. Ajoelharam-se no altar da austeridade e pediram outra reguada.

E Gaspar deu-a - iria dar de qualquer maneira. Foi além da troika e do que seria imaginável fazer. Foi brutal, imprudente, arrogante. Há ainda quem o confunda com coragem. Assumiu todas as dívidas, mesmo as que estavam fora do perímetro do Estado e não tinham a garantia da República (esta conta surda está por fazer, embora a ser paga). No fim, antes de desertar para o bunker do Banco de Portugal, deixou o desemprego em 18% e o resto do País armadilhado e atado. Levaremos anos a sair deste nó cego que ele deu sobre o outro que Sócrates deixou. Quem chega ao mercado de trabalho com níveis de desemprego assim está condenado a uma década de penúria e desvantagem. O atraso e o medo colam-se à pele.

Hoje a economia dá alguns sinais de vida, suspiros de tísico, mas o pulso é fraquinho. Chegados aqui, quando é cada vez mais difícil pôr o espetáculo na rua - trabalhar, vender, produzir, escrever, acreditar -, lembro-me de um soneto de António Nobre: "Amigos/ Que desgraça nascer em Portugal." Logo eu que faço parte da geração que acreditou no contrário. Quanto nos custará esta desilusão? Estará dentro do budget?


por ANDRÉ MACEDO, no DN

Pacheco Pereira faz crítica cerrada a Passos Coelho e avisa que está ao ataque

Fórum das Regiões: Talvez Pacheco Pereira tenha razão!!!

O ex-dirigente do PSD Pacheco Pereira rejeitou que os participantes na conferência de Mário Soares estejam à defesa na política, contrapondo que estão antes ao ataque contra o discurso de "falsidade" e o cinismo dos poderosos.

Pacheco Pereira foi o penúltimo orador da sessão da Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa promovida pelo antigo Presidente da República Mário Soares, tendo feito o discurso mais longo, mas que, no final, mereceu aplausos de pé de uma plateia de cidadãos esmagadoramente de esquerda e muitos deles ligados a partidos como o PS, o PCP ou o Bloco de Esquerda.

"Custa-me a ideia de que o papel dos que aqui estão seja apenas o de defender, como se estivessem condenados a travar uma luta de trincheiras. Não, os que aqui estão não estão a defender coisa nenhuma, mas a atacar a iniquidade, a injustiça, o desprezo, o cinismo dos poderosos", declarou, recebendo uma prolongada ovação.

Na lógica "cínica dos poderosos", segundo Pacheco Pereira, "a vida decente de milhões de pessoas é entendida como um custo que se deve poupar".

"A transformação da palavra austeridade numa espécie de injunção moral serve para um primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho], apanhado de lado pelo sucesso dos celtas [irlandeses] que muito gabava, sorrir cinicamente que a lição desses celtas e da Irlanda é que ainda precisamos de mais austeridade, mais desemprego e ainda precisamos de mais pobreza. O pior de tudo é que ao dizer isso [Passos Coelho] sorri muito contente consigo mesmo", disse Pacheco Pereira num ataque direto ao presidente do PSD.

O ex-dirigente e líder parlamentar do PSD insurgiu-se ainda contra "um discurso de contínua mentira e falsidade".


Fonte: JN

SWAPS, BPN E PPP`S

Está há muito estabelecida na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal Constitucional alemão a doutrina de que as pensões beneficiam da protecção constitucional da propriedade, pelo que os pensionistas não podem ser delas privados sem indemnização.

No seu Acórdão 187/2013(*), o Tribunal Constitucional português, na sua habitual jurisprudência complacente, recusou-se a seguir essa doutrina, o que deixou o governo de mãos livres para atacar os pensionistas do Estado. Pessoas que descontaram para o Estado durante décadas verão assim cortados as suas pensões, na mais vergonhosa quebra de contrato alguma vez verificada em Portugal.

Um governo deve governar para o bem do seu povo. Este governo, porém, preocupa-se mais com o interesse dos credores estrangeiros. Para que estes recebam até ao último cêntimo o dinheiro que apostaram em operações especulativas, o governo confisca os bens dos seus cidadãos.

Ontem foram os salários, hoje são as pensões, amanhã serão provavelmente os depósitos bancários. Tudo para que possam florescer os swaps, o BPN e as PPP. Os que serviram o Estado durante décadas são assim sacrificados a benefício de privados que hoje vivem à conta do Estado. Enquanto os pensionistas vão sofrer, transformados em cidadãos de segunda classe, os vendedores de swaps prosperam. Só se ouvem os seus pregões: “Olha o swap fresquinho! Baunilha, complexo ou tóxico! Ó freguês, fique-me lá com um.”


Fonte: DN
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Uma estupidez infinita

Albert Einstein considerava existirem duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. Embora em relação à primeira tivesse algumas dúvidas, o génio teria, na semana que passou, factos de sobra para sustentar a sua teoria. E não consta que a astronomia tenha dado qualquer passo especialmente relevante nos últimos sete dias para nos pôr a olhar o universo com outros olhos.

A questão é outra. Tudo começou com a espantosa revelação de um peculiar Código do Animal de Companhia, que atormentou tantos e tantos portugueses. O documento do Ministério da Agricultura, certamente minucioso, pode resumir-se a isto: um apartamento não poderá albergar mais do que dois cães. Assim, Assunção Cristas propunha-se muscular uma lei que existe mas que os especialistas consideram frágil. E débil continuaria, se o dito código avançasse (parece que não vai acontecer), já que admite a existência num apartamento T0 de dois mastodônticos exemplares do dog-alemão, mas proíbe a convivência num T5 de três minúsculos e fofos yorkshire-terrier. O caso virou pândega e ainda bem.

Agora que a ministra não tem de se preocupar com a distribuição de canídeos na casa de cada um de nós, sobra-lhe tempo, por exemplo, para tentar convencer a sua colega da Justiça a acabar com a sobrelotação nas cadeias nacionais, que albergam mais reclusos do que a sua capacidade, em condições, muitas vezes, abaixo de cão. Ou para catequizar Nuno Crato para o facto de um número excessivo de alunos por sala de aula tornar o ar irrespirável e a prática pedagógica de eficácia duvidosa.

Esta cómica incursão zoológica não foi, no entanto, a única a aliviar-nos a alma dos problemas quotidianos. A entrevista do patrão da FIFA foi ainda mais circense. Nela, o onomatopeico Blatter ridicularizou Cristiano Ronaldo falando do dinheiro que o craque português gastaria no cabeleireiro, para, logo a seguir, explicar a sua preferência pelo rival Lionel Messi. A performance quase cambaleante de Blatter teve uma virtude. Passámos a conhecer a independência do líder do organismo mundial do futebol. E a saber que ele se preocupa mais com os tostões (e devem ser muitos) que Ronaldo gasta no barbeiro do com os cinco milhões que Messi deveu ao fisco.

Mas em matéria de parvoíce global, a semana foi ainda mais profícua. Quase um monumento àquela coisa que para Einstein nada tinha a ver com o universo. Soube-se que Bárbara Guimarães e o filósofo Manuel Maria Carrilho se iam divorciar, resolvendo (mais ele do que ela) trazer para a praça pública escabrosas questões privadas a roçar a demência, que alguma imprensa sem escrúpulos aproveitou até ao tutano.

Na semana passada, soubemos igualmente que o chefe da troika, Kröger, que defende o aumento da idade da reforma em Portugal, se reformou da Comissão Europeia com 10 mil euros/mês e foi contratado a seguir para ganhar perto de 500 euros/dia. Nada, se comparado com a performance semanal do presidente venezuelano.

Nicolás Maduro decidiu, imagine-se, antecipar o Natal e acender a iluminação do palácio presidencial para promover a "felicidade". Na Venezuela, como até em Portugal, a felicidade não é um estado de espírito despiciendo: lá, os bens alimentares estão a faltar e a inflação sobe em flecha. Para combater essa evidência, Maduro criou, ao melhor estilo norte-coreano, o Vice-Ministério para a Suprema Felicidade do Povo, além de anunciar novas visões do defunto Hugo Chávez.

A culminar a piadética jornada, Paulo Portas anunciou no Parlamento, numa declaração de otimismo sem fim, que, "a partir de junho de 2014, haverá vida para além da troika". Mas isso não tem nada a ver com o que se tem estado a falar.


Alfredo Leite, no JN