Se tiver memória, há pelo menos um português
confuso à entrada do Ano Novo. É taxista e ainda lhe deve zumbir nos ouvidos o
pronunciamento do nosso primeiro-ministro a 9 de outubro. Naquele dia, sob o
título "O país pergunta", um grupo de vinte cidadãos foi convidado
para fazer perguntas ao nosso primeiro-ministro nos estúdios da RTP1. O bom do
taxista resolveu confrontar Passos Coelho com o elevado preço dos combustíveis
e obteve uma resposta de todo inesperada.
Num minuto, entre as 22.11 h e as 22.12 h, o
chefe do Governo não se limitou a dar conta da impossibilidade de o Estado
poder intervir na fixação de preços, já que "os combustíveis em Portugal
estão liberalizados" - algo de difícil crença tamanha a concertação de
preços das companhias gasolineiras. Passos Coelho deu a seguir a explicação
técnica segundo a qual só pelos impostos sobre os produtos petrolíferos e o IVA
seria possível descer os preços, e foi franco: o Governo "não pode dispensar"
tal receita. E, espanto dos espantos!, juntou as duas argumentações para tirar
uma terceira conclusão surpreendente: se os preços fossem mais baixos,
"também estaríamos a dar um mau sinal", promovendo o uso do automóvel
em desfavor da questão ambiental. "Temos de encontrar outras
possibilidades, nomeadamente os transportes públicos, o transporte
ferroviário", disse o primeiro-ministro, para enfado do taxista e bocejo
da audiência.
Pouco menos de três meses depois, em que pé
estamos?
A taxação elevada de ISP sofreu um rombo.
Pronto, as receitas fiscais do Estado resultantes dos combustíveis entraram em
plano inclinado. Dezembro não travará a queda e os números obtidos a 30 de
novembro são elucidativos: gasolina e gasóleo renderam menos 40 milhões de
euros aos cofres sob tutela de Maria Luís Albuquerque. Ter-se-á então safo o
CO2. Só.
O equilibrismo está tão difícil como o
encontrar de esquema apelativo.
O Ano Novo traz uma nova estratégia.
Contraditória.
Os portugueses precisam de ser atraídos para o
combate à fraude fiscal? Os benefícios em sede de IVA para o corte de cabelo, o
café no botequim da esquina e o arranjo dos calços de travão na oficina não têm
sido tão mobilizadores quanto isso. Daí o Governo ter decidido: roupa, sapatos
e compras de supermercado também passam a resultar em benefício fiscal e, a
partir de março, serão sorteados automóveis entre os ciosos solicitadores de
faturas nas quais conste o NIF! É criativo!
Como os carros podem sair a um qualquer
português sem dinheiro para mandar cantar um cego, não espantará sequer que lá
mais para a frente tenham de fazer prova de poder aquisitivo para uns litrinhos
de combustível se quiserem ir a concurso. A receita de ISP é fundamental.
Ao invés do objetivo de Passos Coelho,
continua em perda o transporte público rodoferroviário e só o taxista
"ruminante" de outubro e mais uns quantos se lembram das suas tiradas
televisivas de então.
O CO2 que se lixe também!
Assim como assim, já no tempo do concurso
televisivo "1, 2, 3" os concorrentes optavam por arriscar um
automóvel no último lance, recusando-se a trocar um prémio imprevisto por uma
mala de dinheiro (de valor às vezes superior ao do "boguinhas") ou
uma viagem à volta do Mundo.
Bom Ano Novo.
Fernando Santos, no JN
Sem comentários:
Enviar um comentário