Há muito que deixou de haver dúvidas sobre a
impreparação da troika para encontrar as medidas adequadas à sólida recuperação
dos países que se encontram sob resgate. Muita e boa gente tem questionado, ao
longo destes três anos, o envelope de imposições feito pelos credores, contendo
objetivos não conciliáveis no prazo que nos foi determinado. Pretendeu-se ter
sol na eira e chuva no nabal, o que a sabedoria popular sempre referiu para
identificar soluções impossíveis.
Porém, quem não pensa assim é, desde sempre, o
Governo e, mais recentemente, o presidente da República. Para eles, os sinais
que vamos colhendo da atividade económica parecem ser já suficientes para
garantir que o pior já passou. Assim seja! Mas é imprudente admitir que os
dados conhecidos significam que, afinal, estamos no bom caminho e que tudo
acabou por dar certo, apesar da desigualdade dos sacrifícios infligidos. Claro
que se percebe a tentativa de incutir neste momento algum ânimo nos agentes
económicos, sem o que a tarefa de dar alguma consistência aos resultados
proclamados se esvairá rapidamente. O objetivo político número um, que é agora
para o Governo poder assumir a 17 de maio a "libertação" da troika
vale, segundo eles, todos os artifícios.
É evidente que, para já, há dados que se
apresentam como positivos. A melhoria da balança comercial pelo lado das
exportações é evidente (apesar do relevo assumido pelos combustíveis fósseis);
a redução do défice para 2013, pelos vistos bem para além do negociado, é
também favorável (embora recorrendo a receitas irrepetíveis e com um rol de
sacrifícios impostos aos portugueses sem que tal fosse imperioso); e a recente
emissão de dívida pública a três meses e a um ano, a taxas de juro bem mais
baixas do que em novembro, é outro bom sinal (embora este seja o mais volátil
de todos os indicadores).
Estes são os dados favoráveis incessantemente
apregoados pelo Governo. Mas há, por outro lado, alguns fatores que não podem
deixar de ser encarados com apreensão.
A dívida teve um percurso diferente do
negociado, aumentando consideravelmente; e o desemprego, apesar de nominalmente
ter sido apresentado com uma taxa menor, não tem um decréscimo virtuoso. O
número de empregos criados é bem menor do que o número de empregos destruídos,
pelo que o "milagre" se deve à enorme emigração forçada e ao
subemprego.
Depois, fala-se ainda do aumento do número de
automóveis vendidos e de uma inversão de tendência no setor imobiliário como
sendo prenunciadores de uma viragem económica (a meu ver, como já antes aqui
referi, por razões alheias às políticas inicialmente definidas pelo Governo
para o ano findo). Só que, por outro lado, é preciso referir dados menos
favoráveis que aparecem a contrariar aquela tendência, como mais um decréscimo
de 13%, em termos homólogos, no setor da construção civil.
A presidente do FMI e relevantes funcionários
da organização já antes tinham confessado os erros que cometeram quanto à
avaliação que tinham feito sobre os efeitos da austeridade. Mas agora é o
Parlamento Europeu, sem dúvida a mais isenta e democrática de todas as
instituições, quem faz uma avaliação das intervenções da troika junto dos
estados-membros sob assistência financeira, para poder definir regras que
orientem futuras intervenções da União Europeia. Os relatores estão a fazer um
périplo por esses estados, tendo já visitado o nosso país.
E o que dizem os representantes do PE na sua
proposta de relatório? Sendo impossível aqui reproduzir a sua extensa análise e
propostas, retenho duas importantes declarações. A primeira é a de que o PE
"lamenta o facto de a UE e as instituições internacionais, incluindo o
FMI, não estarem preparadas para uma crise das dívidas soberanas de grandes
dimensões numa união monetária". Depois, afirmam lamentar "os pressupostos
por vezes excessivamente otimistas da troika, em particular no respeitante ao
crescimento..." e consideram "que tem sido prestada muito pouca
atenção à minimização do impacto negativo das estratégias de ajustamento nos
países do programa". Não, não é a oposição ao Governo nem qualquer
comentador mais duramente afetado pelas medidas de austeridade que o diz. São
os relatores do Parlamento Europeu na sua missão de informação e controlo das
instituições europeias.
Se dúvidas ainda houvesse, ficariam agora
dissipadas - estamos a ser objeto de experimentação, a ser cobaias num banco de
ensaios com resultados, para já, muito duvidosos. Um dia haveremos de sair
desta situação, estou certo. Mas pelo caminho fica um rasto de degradação
social em muitas e muitas famílias que jamais esquecerão o tempo que hoje
vivemos.
Fernando Gomes, no JN
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