O "Fórum das Regiões", defende uma Região Norte coincidente com a actual região-plano (CCDR-N) e um modelo de regionalização administrativa, tal como o consagrado na Constituição da República Portuguesa.

O "Fórum das Regiões", considera a Regionalização o melhor modelo para o desenvolvimento de Portugal e para ultrapassar o crescente empobrecimento com que a Região Norte se depara.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

As cobaias

Há muito que deixou de haver dúvidas sobre a impreparação da troika para encontrar as medidas adequadas à sólida recuperação dos países que se encontram sob resgate. Muita e boa gente tem questionado, ao longo destes três anos, o envelope de imposições feito pelos credores, contendo objetivos não conciliáveis no prazo que nos foi determinado. Pretendeu-se ter sol na eira e chuva no nabal, o que a sabedoria popular sempre referiu para identificar soluções impossíveis.

Porém, quem não pensa assim é, desde sempre, o Governo e, mais recentemente, o presidente da República. Para eles, os sinais que vamos colhendo da atividade económica parecem ser já suficientes para garantir que o pior já passou. Assim seja! Mas é imprudente admitir que os dados conhecidos significam que, afinal, estamos no bom caminho e que tudo acabou por dar certo, apesar da desigualdade dos sacrifícios infligidos. Claro que se percebe a tentativa de incutir neste momento algum ânimo nos agentes económicos, sem o que a tarefa de dar alguma consistência aos resultados proclamados se esvairá rapidamente. O objetivo político número um, que é agora para o Governo poder assumir a 17 de maio a "libertação" da troika vale, segundo eles, todos os artifícios.

É evidente que, para já, há dados que se apresentam como positivos. A melhoria da balança comercial pelo lado das exportações é evidente (apesar do relevo assumido pelos combustíveis fósseis); a redução do défice para 2013, pelos vistos bem para além do negociado, é também favorável (embora recorrendo a receitas irrepetíveis e com um rol de sacrifícios impostos aos portugueses sem que tal fosse imperioso); e a recente emissão de dívida pública a três meses e a um ano, a taxas de juro bem mais baixas do que em novembro, é outro bom sinal (embora este seja o mais volátil de todos os indicadores).

Estes são os dados favoráveis incessantemente apregoados pelo Governo. Mas há, por outro lado, alguns fatores que não podem deixar de ser encarados com apreensão.

A dívida teve um percurso diferente do negociado, aumentando consideravelmente; e o desemprego, apesar de nominalmente ter sido apresentado com uma taxa menor, não tem um decréscimo virtuoso. O número de empregos criados é bem menor do que o número de empregos destruídos, pelo que o "milagre" se deve à enorme emigração forçada e ao subemprego.

Depois, fala-se ainda do aumento do número de automóveis vendidos e de uma inversão de tendência no setor imobiliário como sendo prenunciadores de uma viragem económica (a meu ver, como já antes aqui referi, por razões alheias às políticas inicialmente definidas pelo Governo para o ano findo). Só que, por outro lado, é preciso referir dados menos favoráveis que aparecem a contrariar aquela tendência, como mais um decréscimo de 13%, em termos homólogos, no setor da construção civil.

A presidente do FMI e relevantes funcionários da organização já antes tinham confessado os erros que cometeram quanto à avaliação que tinham feito sobre os efeitos da austeridade. Mas agora é o Parlamento Europeu, sem dúvida a mais isenta e democrática de todas as instituições, quem faz uma avaliação das intervenções da troika junto dos estados-membros sob assistência financeira, para poder definir regras que orientem futuras intervenções da União Europeia. Os relatores estão a fazer um périplo por esses estados, tendo já visitado o nosso país.

E o que dizem os representantes do PE na sua proposta de relatório? Sendo impossível aqui reproduzir a sua extensa análise e propostas, retenho duas importantes declarações. A primeira é a de que o PE "lamenta o facto de a UE e as instituições internacionais, incluindo o FMI, não estarem preparadas para uma crise das dívidas soberanas de grandes dimensões numa união monetária". Depois, afirmam lamentar "os pressupostos por vezes excessivamente otimistas da troika, em particular no respeitante ao crescimento..." e consideram "que tem sido prestada muito pouca atenção à minimização do impacto negativo das estratégias de ajustamento nos países do programa". Não, não é a oposição ao Governo nem qualquer comentador mais duramente afetado pelas medidas de austeridade que o diz. São os relatores do Parlamento Europeu na sua missão de informação e controlo das instituições europeias.

Se dúvidas ainda houvesse, ficariam agora dissipadas - estamos a ser objeto de experimentação, a ser cobaias num banco de ensaios com resultados, para já, muito duvidosos. Um dia haveremos de sair desta situação, estou certo. Mas pelo caminho fica um rasto de degradação social em muitas e muitas famílias que jamais esquecerão o tempo que hoje vivemos.


Fernando Gomes, no JN

Sem comentários:

Enviar um comentário