Vivem-se semanas de alta intensidade. Depois
de uma moção de censura, da demissão de Relvas e da decisão do TC, a tempestade
continuou com um polémico despacho de Gaspar, as negociações de Dublin e, por
fim, a mini-remodelação do Governo. É justamente sobre esta última que me
debruço hoje, pela irónica razão de que nada vai mudar.
Na remodelação agora operada pelo PM foi
contemplada uma substituição. Miguel Relvas por Marques Guedes é uma troca de
baixo risco, conservadora e compreensível, que apenas peca por tardia. Nada a
dizer.
Mas houve uma novidade maior. Para os que
esperavam o reconhecimento do óbvio, os megaministérios da Economia e Emprego e
da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território não foram divididos,
o que significa que continuarão inoperantes. A surpresa foi um novo ministro,
designado adjunto e do Desenvolvimento Regional, que tutelará a comunicação
social, os fundos comunitários e as autarquias locais. É aqui que surgem as
minhas mais profundas dúvidas.
Numa primeira leitura, a ideia de um ministro
dedicado ao desenvolvimento regional é em si positiva e traz alguma esperança.
Contudo, este movimento de Passos Coelho tem uma envolvente plena de indícios
suspeitos.
O primeiro indício é a disputa que vinha sendo
travada pelo controlo dos fundos comunitários. O ministro da Economia,
politicamente fraco e desconhecedor dos meandros da governação, nunca foi capaz
de se impor. Perdeu primeiro para o ex--secretário de Estado Almeida Henriques.
Com a saída deste do Governo e a opção de Passos Coelho de não o substituir,
fui daqueles que de imediato denunciaram a retirada dos fundos comunitários da
Economia para as Finanças.
O segundo indício é o perfil escolhido para o
novo cargo. Miguel Poiares Maduro está fora da realidade portuguesa pelo menos
desde 2003, com passagens pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo
Instituto Europeu Universitário de Florença. Tem um currículo brilhante como
jurista e professor. Mas não tem absolutamente nada a ver com o desenvolvimento
regional. A atribuição de fundos comunitários a Portugal tem o objetivo
explícito e inequívoco de promover a coesão, contribuindo para um processo de
convergência das regiões mais pobres do país com a média europeia. Tutelar o desenvolvimento
regional não é gerir a folha da alocação de fundos. É desenvolver estratégias,
desenhar programas e fazer opções em domínios como as infraestruturas de apoio
à economia e à sociedade, a eficiência coletiva, a redução dos custos de
contexto, etc. E, para isso, exige-se o conhecimento aprofundado do território,
dos seus agentes e dinâmicas.
Um terceiro e demolidor indício é o desprezo a
que o desenvolvimento regional foi votado por este Governo. Da esquerda à
direita, das elites às bases, das empresas aos trabalhadores, da academia à
Comunicação Social, existe um vasto consenso na ideia de que este é o mais
centralista de todos os governos do pós-74. Como se explica que uma região da
dimensão e importância do Norte, com uma poderosíssima força exportadora e,
contudo, plena de problemas ao ponto de ser a mais pobre de Portugal, tenha
esperado meses em 2012 pela nomeação do presidente da CCDRN e esteja atualmente
com esse cargo vago, sem qualquer pressa ou interesse do Governo de o ocupar?
Para os mais desatentos, a letra D na sigla CCDRN significa, imagine-se,
Desenvolvimento. Ou seja, o caminho para o desenvolvimento regional em Portugal
traça-se pela nomeação de um ministro em Lisboa, podendo a região esperar.
Inexplicável.
Esta combinação de indícios reforça o meu
ceticismo e leva-me a crer que, na verdade, nada mudará. Dito de outro modo, a
trajetória ensaiada de deslocar o centro de gravidade da decisão sobre os
fundos comunitários da Economia para as Finanças e das Regiões para a Capital
continuará a fazer o seu caminho, tal como planeado. O novo ministério, bem
perto do PM e das Finanças, é apenas mais uma peça de uma estratégia há muito
tecida, tributária de um desígnio ideológico a que nenhuma inoportuna
estatística das assimetrias regionais poderá fazer frente.
José Mendes, no JN