O "Fórum das Regiões", defende uma Região Norte coincidente com a actual região-plano (CCDR-N) e um modelo de regionalização administrativa, tal como o consagrado na Constituição da República Portuguesa.

O "Fórum das Regiões", considera a Regionalização o melhor modelo para o desenvolvimento de Portugal e para ultrapassar o crescente empobrecimento com que a Região Norte se depara.


quarta-feira, 20 de março de 2013

A mãe que chora na rádio


A história que segue é tragicamente verídica: foi contada no fórum matinal da TSF, ontem dedicado ao facto de as famílias portuguesas estarem a cortar nos gastos com comida para suportar os efeitos da crise (o tema fez a manchete da edição de ontem do JN).

Contava a ouvinte que, em jeito de brincadeira e dada a crescente escassez de bens lá em casa, uma das filhas lhe dizia, à hora da refeição, qualquer coisa como: "Já sei, mãe. Hoje vamos comer sopa do que há e arroz do que há". Era a forma encontrada para brincar, logo tentar minorar, com um problema grave: a falta de comida. O acentuar da crise levou a mãe a responder-lhe: "Filha, já estivemos mais longe de comer sopa e arroz do que não há".

O choro que ia cortando as frases deste doloroso retrato fora antecedido por outro, este de um homem que explicava como os seus clientes deixaram de ter dinheiro para mudar o óleo ao carro, arriscando assim perdê-lo de vez. A seguir ouviu-se, em fundo, um galo. O animal interrompeu o desfiar de desgraças do dono, que, aproveitando o som inusitado, atirou: "Está a ouvir o galo? O que me vale é uma pequena horta e uns animais que tenho aqui atrás da casa"!

Podemos buscar muitas explicações sociológicas e outras tantas económicas e financeiras para o que nos está e irá acontecer. Mas este é, disso não tenhamos dúvidas, o retrato dos dias de muitas e muitas famílias portuguesas. Precisamente aquelas que, por falta de dinheiro, são obrigadas, entre outras coisas, a reduzir os gastos com alimentação.

Aposto que o ministro das Finanças e quejandos chamam a isto custos do ajustamento. É uma forma desavergonhada de qualificar o drama da mãe que chora quando deixa de suportar o simpático humor da filha para lhe dizer que, lá em casa, as coisas ainda vão piorar antes de melhorar.

Apetece torcer a famosa frase de Saint-Exupéry: "Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós". Estes que estão a passar por nós, quando partirem, deixarão muito de si, para mal dos nossos pecados, e levarão (quase) tudo de nós.

É bem provável que o consumo privado afunde ainda mais. A taxa de inflação homóloga ontem conhecida aponta para aí: foi de 0%, quando comparados os meses de janeiro de 2012 e de 2013. Quer dizer: as empresas estão sem espaço para aumentar preços, logo reduzem os ganhos, logo tendem a ajustar, isto é, a desempregar.

O risco de deflação (queda generalizada dos preços) pode ainda estar longe, mas não é desprezível. Ele é consequência dos períodos de recessão. Foi particularmente grave na Grande Depressão que devastou os EUA: entre 1930 e 1933, os preços diminuíram 27%, os salários 40% e o desemprego disparou. Era só o que nos faltava...

Paulo Ferreira, no JN

Direito por linhas tortas


Ainda que os valores da transparência e da participação democrática estejam ausentes do conclave cardinalício e sejam estranhos, em geral, aos procedimentos internos da Igreja, pela escolha de Francisco I para a cadeira de Pedro estão os católicos de parabéns e ficou o Mundo um pouco mais esperançoso. Alguma prodigiosa "iluminação" terá conduzido os 115 cardeais até "quase o fim do Mundo", ao encontro deste engenheiro argentino de vida simples e palavra clara, filho de um emigrante que trocou a Itália de Mussolini pelos horizontes bem mais prometedores do Novo Mundo. E assim triunfou a inteligência das mudanças indispensáveis e se demonstrou uma vez mais que Deus pode escrever "direito por linhas tortas".

Já a transposição desta "prerrogativa divina" para o mundo profano se afigura, porém, incerta e problemática. Disso mesmo nos dão conta os 60 subscritores - quase todos residentes na capital e arredores - do "Manifesto pela Democratização do Regime", divulgado na passada terça-feira. Ali afirmam que a corrosão dos procedimentos e das instituições democráticas inibem a capacidade do nosso regime político produzir verdadeiras alternativas às políticas que arrastaram a governação da República até à desgraça presente e que bloqueiam quaisquer mudanças que possam perturbar as oligarquias políticas instaladas ou ameaçar a sua intolerável promiscuidade com os grandes interesses económicos e financeiros.

Num registo lúcido e cirúrgico, o "Manifesto" aponta "três passos fundamentais" para consumar a "rutura" indispensável:

- impor a realização de eleições primárias efetivamente abertas à participação de todos os simpatizantes, para a escolha dos candidatos dos partidos "a todos os cargos políticos";
- pôr termo às "listas fechadas" de candidatos cooptados pela direções partidárias, através da imposição do "voto nominal" e da extinção do monopólio partidário nas eleições legislativas;
- adotar regras para o financiamento público das campanhas eleitorais que garantam a transparência e a equidade entre todos os concorrentes.

São três passos simples, pertinentes e razoáveis que não será fácil enjeitar com pretextos expeditos. É um desafio que os partidos políticos fariam bem em assumir, admitindo que estão conscientes da gravidade das ameaças e determinados a combater a crescente erosão da confiança que os cidadãos depositam nas instituições democráticas e que, de forma veemente, têm vindo a manifestar.

O sucesso meteórico do "Movimento 5 Estrelas" nas recentes eleições italianas constitui um aviso que deve ser ponderado com a máxima seriedade. Também em Portugal, nos anos oitenta, no final do último mandato do Presidente Ramalho Eanes, um partido de inspiração presidencial - o PRD (Partido da Renovação Democrática) - aproveitou o amplo descontentamento gerado pelas medidas de austeridade impostas pelo FMI e executadas por um frágil governo de coligação entre o PS e o PSD, obtendo uma votação nas eleições legislativas de 1985 que, por pouco, quase ultrapassava a do PS.

O "Manifesto pela Democratização do Regime" assume uma clara distanciação face à demagogia populista e antipartidos que marcou a curta história do PRD e o seu desenlace infeliz. Evidentemente, não há engenharia eleitoral que garanta o acerto das políticas e a justiça da governação. A longa deriva que lançou os partidos sociais-democratas no pântano da terceira via e a sua dócil submissão aos dogmas do mercado preconizados por Margareth Thatcher, Ronald Reagan e George W. Bush, impediram, desde a era de Tony Blair, a reconstituição das fronteiras entre a esquerda e a direita, no mundo contraditório que sucedeu à implosão do império soviético. É por isso indispensável uma alternativa política substancial, aberta aos novos modos de participação política e mobilizadora de novas energias.

Pedro Bacelar Vasconcelos, no JN

Álvaro, leiloeiro de Portugal


Amigo Álvaro, uma má notícia: Vancouver não tem saudades tuas. "Álvaro who?" "Minister"? Tudo calmo no Canadá sem ti. Talvez tu tenhas saudades do Canadá. Ou talvez não - está sempre a chover, frio, e, assim como assim, umas 'férias' em Portugal vieram a calhar. Depois voltas tranquilamente para a civilização onde nenhum dos teus amigos saberá que tentaste meter um país no caixote do lixo ambiental.

Só assim se compreende que consigas ultrapassar em meia dúzia de meses as traquinices irresponsáveis dos PIN (projetos de Potencial Interesse Nacional) de Sócrates, Pinho e Basílio, que arrasavam o que fosse preciso por uma boa notícia de telejornal. O teu padrão é o mesmo: o que é necessário é "investimento". Desenvolvimento à pressa, martelado, cujas consequências nem quererás compreender. Obviamente, quando o recreio acabar, voltas às aulas de Vancouver.

Portugal ficará literalmente esventrado depois desta tua aventura de assinares uma centena de contratos de exploração mineira cuja exploração, no final, deixará crateras e contaminações nos cursos de água durante séculos. Já para não falar das poeiras que voam a quilómetros de distância e criam permanentes problemas respiratórios. Basta ir às Minas de São Domingos, no Alentejo, a São Pedro da Cova, em Gondomar, ou Nelas e Canas de Senhorim (bem perto de Viseu, tua terra natal) e ver. Crateras lunares e contaminações letais.

Percebe-se que algo de muito grave tem de estar a acontecer a um país que entrega, sem qualquer burburinho público, uma centena de novas concessões mineiras de uma só vez, faz do eucalipto a sua principal espécie e acha que vastas áreas de monocultura de olival intensivo (onde se inclui o maior do Mundo, com 12 mil hectares), numa terra tão árida como o Alentejo, é algo de sustentável. Assim, é um país sem futuro, e não por causa da dívida mas sim por perder o território.

Nesse mesmo fio de pensamento parecer-te-á normal, caro Álvaro, apoiares a exploração de gás de xisto (shale gas) no estuário do Tejo quando se sabe que é preciso dar algum tempo até que a exploração do shale não represente, por si só, a destruição da água limpa que está por baixo do solo. Há uma coisa que não te entrará na cabeça, eu sei: a água é mais importante que a energia. A energia tem alternativas. A água não.
A tua famosa frase "A Europa tem regras ambientalistas muito fundamentalistas que prejudicam a nossa indústria e prejudicam o nosso emprego" teve, aliás, uma rara resposta certa da tua colega Assunção Cristas quando lembrou no Parlamento que "não devemos ter a ambição de sermos iguais a outras geografias que, nessa matéria, estão atrás de nós". Claro, Álvaro, a Europa e o ambiente... Para quem está no Canadá a União Europeia é exatamente o quê?

E agora essa ideia da Trafaria? Um 'novo' porto (privado e estrangeiro) em Lisboa que obriga a redesenhar uma via férrea nova e também, evidentemente, desembocará na necessidade de se fazer a nova travessia sobre o Tejo. Curioso: não era o teu ministério que pretendia criar uma linha de mercadorias, urgente, para o Porto de Sines? E afinal vai-se construir um porto de águas profundas quase ao lado, ou seja, em Lisboa?... Mas isto bate certo com o ar do tempo. Também se entregou a ANA a um consórcio que acenou com dinheiro, hoje, e ficou com um monopólio que nos há de custar os olhos da cara durante décadas.

Álvaro, só um pedido mais: quando regressares a Vancouver, passa pela viaduto da zona do porto, ali mesmo, junto à baía (Waterfront) e espreita os comboios de mercadorias de centenas de metros de extensão, com dois contentores (um em cima do outro) em cada vagão. Esses comboios andam em cima de linhas onde também circulam comboios de passageiros, certo? Mas em Portugal, segundo o teu secretário de Estado dos Transportes, isso é impossível... Depois passa os olhos pelos planos do Obama de ir substituindo o transporte de avião pelos comboios mais rápidos (não precisam de ser 'ferraris'). Repararás então que ambas as coisas são possíveis, lá está, sem demagogia. Entretanto fala com os teus colegas sobre essa coisa nova, a Economia do Ambiente. E talvez, para a próxima, voltes ao Governo, mas com um pouco mais de mundo.

Daniel Deusdado, no JN

Crise não se resolve "contra o Estado social", avisa diretor da faculdade de Economia de Coimbra


Fórum das Regiões: Digam isso ao Sr. Coelho e ao Sr. Gaspar, pode ser que eles aprendam alguma coisa sobre como governar o país...


"As políticas sociais e o Estado social são condição para lançar o crescimento económico", sem o qual não será possível vencer a crise, disse o diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, José Reis, durante um debate sobre "A segurança social pública".

Para José Reis, que participava num debate sobre "A segurança social pública - Defesa do Estado social e a sua sustentabilidade futura", promovido pela FEBASE (Federação Nacional do Setor Financeiro), "as políticas sociais e o Estado social são condição para lançar o crescimento económico", sem o qual não será possível vencer a crise. É necessário "exatamente o contrário daquilo que tem vindo a ser feito, até agora" em Portugal, sustentou o economista, considerando que "é preciso mais Estado e investimento público, sobretudo no domínio das políticas sociais". 

A segurança social é "crucial para que vivamos com um mínimo de dignidade", mas também para "relançar" a economia, como, de resto, está a fazer, por exemplo, o Japão, país que tem ultrapassado "crises complicadíssimas" porque possui "a agilidade institucional" e "a capacidade de ação" que a "decrépita Europa não tem". 

Portugal precisa de "um imediato ajustamento salarial, não apenas do ponto de vista social e da dignidade do trabalho", mas também para relançar a economia, sublinhou o diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC). O antigo secretário de Estado da Segurança Social e deputado do PS Pedro Marques, outros dos participantes no debate, defendeu que "Portugal tem um dos sistemas [de segurança social] mais sustentáveis", como reconhecem a Comissão Europeia, a OCDE e "até a agência de rating Fitch". A segurança social portuguesa "tem uma boa reserva (cerca de dez mil milhões de euros)", que lhe permite "aguentar nesta fase", mas o país "tem de voltar ao crescimento económico", para poder assegurar a sustentabilidade da segurança social, advertiu Pedro Marques, salientando que "sem crescimento económico não há nenhuma política pública que resista". 

O Estado social "é o modo de defesa do próprio capitalismo" e "é perigoso este afrontamento ao Estado social", afirmou o presidente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC), Manuel Castelo Branco, que também participou no encontro. Assumindo-se como um "democrata-cristão" e politicamente de "direita", Manuel Castelo Branco, afirmou-se "confortável a defender o Estado social", lamentando que "a direita tenha esquecido a filiação do Estado social"."Só é legítimo ao Estado cobrar impostos, se essa cobrança se destinar ao Estado social", disse Manuel Castelo Branco, considerando que a "carga fiscal" em Portugal "exige um Estado social a sério e não para pagar juros usurários a credores". 

Os impostos "sempre foram a alavanca das revoluções democráticas e pode ser que o FMI [Fundo Monetário Internacional] e o nosso Governo estejam a brincar com o fogo", advertiu o presidente do ISCAC. O debate de terça-feira, em Coimbra, foi no primeiro de um ciclo de conferências sobre a segurança social que a FEBASE está a promover, naquela cidade, no Porto e em Lisboa. A FEBASE reúne os sindicatos dos bancários do Norte, do Centro e do Sul e Ilhas e os sindicatos dos Profissionais de Seguros de Portugal e dos Trabalhadores da Actividade Seguradora, todos filiados na UGT.

Fonte: Jornal de Notícias