A história que segue é tragicamente verídica:
foi contada no fórum matinal da TSF, ontem dedicado ao facto de as famílias
portuguesas estarem a cortar nos gastos com comida para suportar os efeitos da
crise (o tema fez a manchete da edição de ontem do JN).
Contava a ouvinte que, em jeito de brincadeira
e dada a crescente escassez de bens lá em casa, uma das filhas lhe dizia, à
hora da refeição, qualquer coisa como: "Já sei, mãe. Hoje vamos comer sopa
do que há e arroz do que há". Era a forma encontrada para brincar, logo
tentar minorar, com um problema grave: a falta de comida. O acentuar da crise
levou a mãe a responder-lhe: "Filha, já estivemos mais longe de comer sopa
e arroz do que não há".
O choro que ia cortando as frases deste
doloroso retrato fora antecedido por outro, este de um homem que explicava como
os seus clientes deixaram de ter dinheiro para mudar o óleo ao carro,
arriscando assim perdê-lo de vez. A seguir ouviu-se, em fundo, um galo. O animal
interrompeu o desfiar de desgraças do dono, que, aproveitando o som inusitado,
atirou: "Está a ouvir o galo? O que me vale é uma pequena horta e uns
animais que tenho aqui atrás da casa"!
Podemos buscar muitas explicações sociológicas
e outras tantas económicas e financeiras para o que nos está e irá acontecer.
Mas este é, disso não tenhamos dúvidas, o retrato dos dias de muitas e muitas
famílias portuguesas. Precisamente aquelas que, por falta de dinheiro, são
obrigadas, entre outras coisas, a reduzir os gastos com alimentação.
Aposto que o ministro das Finanças e quejandos
chamam a isto custos do ajustamento. É uma forma desavergonhada de qualificar o
drama da mãe que chora quando deixa de suportar o simpático humor da filha para
lhe dizer que, lá em casa, as coisas ainda vão piorar antes de melhorar.
Apetece torcer a famosa frase de
Saint-Exupéry: "Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam
sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós". Estes que estão a
passar por nós, quando partirem, deixarão muito de si, para mal dos nossos
pecados, e levarão (quase) tudo de nós.
É bem provável que o consumo privado afunde
ainda mais. A taxa de inflação homóloga ontem conhecida aponta para aí: foi de
0%, quando comparados os meses de janeiro de 2012 e de 2013. Quer dizer: as
empresas estão sem espaço para aumentar preços, logo reduzem os ganhos, logo
tendem a ajustar, isto é, a desempregar.
O risco de deflação (queda generalizada dos
preços) pode ainda estar longe, mas não é desprezível. Ele é consequência dos
períodos de recessão. Foi particularmente grave na Grande Depressão que
devastou os EUA: entre 1930 e 1933, os preços diminuíram 27%, os salários 40% e
o desemprego disparou. Era só o que nos faltava...
Paulo Ferreira, no JN
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