O candidato do PSD à presidência da Câmara de Gaia deu, anteontem,
uma valente paulada no sacrossanto ministro das Finanças. Basicamente, Carlos
Abreu Amorim agradeceu os trabalhos prestados ao país por Vítor Gaspar e, a
seguir, pediu a cabeça do ministro. Argumento: "É preciso que os problemas
sejam tratados através de uma perceção dos anseios e necessidades das pessoas e
isso é muito mais vasto do que a visão tecnocrática afunilada com que muitos dos
problemas do país têm vindo a ser tratados até agora". Resumo: basta de
Excel! Que regresse a política!
Em nome do rigor, é preciso dizer que esta não é primeira
investida de Abreu Amorim contra Vítor Gaspar: é, porventura, a mais dura. E é
preciso dizer também que, ao falar assim, o candidato a Gaia diz em tom alto o
que muita gente dos partidos da coligação pensa em tom baixo.
Mas, dito isto, é necessário dizer também que Carlos Abreu Amorim
escolheu o pior momento para reclamar o afastamento de Vítor Gaspar. Ao fazê-lo
na sessão de apresentação dos candidatos do PSD às juntas de freguesia de Gaia,
o deputado eleito nas listas do PSD pelo círculo de Viana do Castelo confundiu
o inconfundível, misturou o que não dever ser misturado.
É uma tentação para qualquer candidato do PSD querer afastar-se o
mais depressa possível dos males que as políticas deste Governo causam no povo
eleitor. Trata-se, contudo, de uma tentação que arrasta consigo três problemas.
Primeiro: é uma tentação inaceitável do ponto de vista dos princípios,
na medida em que tais críticas, mais ou menos grossas na intensidade, devem ser
feitas nos locais próprios, e não nos locais mais convenientes para os
candidatos.
Segundo: é uma tentação errada do ponto de vista estratégico, na
medida em que, para lá de inconsequente, tem o mérito de lançar gasolina sobre
uma fogueira que aumenta de tamanho a cada dia que passa.
Terceiro: é, sobretudo, uma tentação errada do ponto de vista
eleitoral, na medida em que a cacetada em Gaspar não rende nem mais um voto a
Carlos Abreu Amorim. Antes pelo contrário: a esta altura, os eleitores de Gaia
estarão legitimamente a pensar: "Quanto há de oportunismo numa declaração
destas, feita por um deputado que defende o Governo quando está na primeira
linha da bancada parlamentar do PSD e se atira a um dos seus ministros mais
decisivos quando está em campanha eleitoral? É confiável votar num candidato
que precisa de berrar contra um ministro para se fazer ouvir na comunicação
social?".
Carlos Abreu Amorim, homem culto, esqueceu o velho ensinamento de
Shakespeare. "É melhor ser rei do teu silêncio do que escravo das tuas
palavras". Arrisca-se a morrer pela boca. E pelas bocas.
Paulo Ferreira, no JN