O atual Governo não comemorou - e fez bem - o seu segundo
aniversário. Foi uma prova de bom senso. Não havia nada a comemorar, visto que
Portugal, nestes dois anos, foi de mal a pior, como as estatísticas indicam e
todos os portugueses sentem na pele, sejam pobres ou ricos.
Aliás, Passos Coelho, nesse dia de aniversário, tentou mostrar-se,
salvo erro, na Amadora e foi de novo vaiado violentamente, apesar do excesso de
polícias e seguranças que o escoltavam e tentavam proteger, em torno dele ou,
prudentemente, estavam metidos em carros da polícia. Não se faz ideia do que a
proteção do primeiro-ministro e de todos os ministros e secretários de Estado
deve custar. Seguramente um balúrdio...
Portugal nestes dois anos foi de mal a pior. É incontestável! Os
números não mentem. As portuguesas e os portugueses, que estão desempregados ou
a quem, sem respeito pela dignidade das pessoas, "roubaram" as
pensões, para as quais descontaram longos anos, vivem desesperados e muitas
vezes, quando não têm família, na miséria, a ponto de procurarem comida nos
caixotes do lixo. Há alguém que, sobretudo nas grandes cidades, ignore esta
vergonha nacional, num país como Portugal? E, entretanto, continuam a vender -
ou a querer vender - muito do nosso património. Uma desgraça nunca vista!
Por isso tantos gritam, todos os dias, cada vez com mais força:
basta! Vão-se embora! Mas os ministros não têm vergonha - é para mim triste
dizê-lo, e não o faço como ameaça mas para os acautelar - porque se assim
continuar, como tem sucedido, as pessoas desesperadas podem deixar de ser
pacíficas.
Entretanto, Passos Coelho, com uma insensibilidade completa ao que
se passa à sua volta, disse ao Expresso do último sábado - cito - "Claro
que o normal é recandidatar-me [...] visto que o meu programa pressupõe duas
legislaturas e o Governo não pode cair por desentendimentos menores."
Além de incompetente é inconsciente: "Desentendimentos
menores" o que se passa no Governo? Não terá ouvido - ou lido o que disse
o FMI? Os prémios Nobel da Economia, como Krugman e Stiglitz? Ou, ao menos, o
que disse no Parlamento o deputado João Almeida, do CDS e íntimo de Portas? Ou
a anunciada greve dos professores?
Ou não terá visto a sondagem publicada no Expresso que o coloca de
longe como o último dos líderes políticos dos partidos com assento no
Parlamento com 10% negativos de popularidade e o seu Governo, abaixo de tudo,
com 25,8% negativos?
É certo que tem tido a proteção do seu amigo atual Cavaco Silva,
Presidente da República, contra o que diz a Constituição da República que,
aliás, jurou, e que também continua a descer nas sondagens. Mas com a Europa da
Zona Euro a mudar, a viagem do Presidente Cavaco Silva pode, no seu regresso,
trazer algumas surpresas.
Passos Coelho, seguidor do seu amigo Vítor Gaspar, odiado por todo
o País, não vai ter "segundo fôlego", como pretende. Prepare-se para
isso, que é o mais provável.
A política de austeridade está a ser um desastre
para Portugal, cada vez maior, como para a Zona Euro. Mas o ministro das
Finanças, Vítor Gaspar, é um fanático neoliberal, que ignora as pessoas (que
para ele não contam) e só pensa nos mercados usurários, dos quais indiretamente
depende. Por isso continua a política que traçou, imperturbável. E o pior é que
é ele que manda no Governo.
Contudo, a Zona Euro está, como não podia deixar de ser, a mudar.
Porque as vítimas da austeridade deixaram de ser só os Estados
"preguiçosos" do Sul, como dizia a chanceler Merkel. A Holanda é um
exemplo, como a própria Suécia e, ao que parece, a Finlândia também, a dar
sinais de recessão...
É fundamentalmente isso que tem levado a senhora Merkel a mudar de
política, a aceitar o eixo franco-alemão e, com a proximidade das eleições a
mudar, ao que parece, de política, dando prioridade à Zona Euro sobre a União
Europeia e a atribuir as responsabilidades ao seu velho amigo presidente da
Comissão Europeia, Durão Barroso, que transformou em "bode
expiatório"...
Por outro lado, também reduziu o Reino Unido - com o
primeiro-ministro David Cameron - às suas circunstâncias... Quem viu a
Inglaterra de Churchill e de Attlee e quem a vê agora! Que diferença...
A senhora Merkel separou a Zona Euro - para ela a mais importante,
agora - da União Europeia dos Estados europeus que nunca aceitaram o euro como
moeda única. Fez bem e é importante que assim tenha acontecido. E, ao mesmo
tempo percebeu - por interesse próprio - que a austeridade não leva a parte
nenhuma, senão à desgraça dos Estados que a têm seguido. Por isso, apesar de
ter tratado tão mal países como a Grécia, que tanto desprezou, sem então
compreender que a Grécia foi o berço da nossa atual civilização, in extremis
não a deixou cair.
Contudo, o mais interessante é que a chanceler está a mudar de
política. Com o Presidente François Hollande a voltar ao eixo franco-alemão.
Porquê? Porque a senhora Merkel - que era quem mandava na União - percebeu,
finalmente, que a política de austeridade, que impôs a tantos Estados da Zona
Euro, lhe pode ser fatal. Porque com a recessão económica nos países vítimas da
austeridade diminuíram bastante as importações que lhes vinham da indústria
alemã. Daí que a economia alemã comece, ela própria, a ter dificuldades.
por MÁRIO
SOARES, no Diário de Notícias