Sair da zona euro tem custos, mas é bom lembrar que nela
permanecer impõe uma perda decisiva, a dos instrumentos de política económica
indispensáveis ao desenvolvimento
A pressão dos mercados financeiros sobre um país
crescentemente endividado, a tutela do Tratado Orçamental e a fragilidade da
nossa economia não desaparecem com o fim do Memorando. Nem o processo de
germanização da zona euro é suspenso. Por outro lado, a federalização da UE
está fora de questão, já que a esmagadora maioria dos alemães nem sequer
imagina correr o risco de se sujeitar a leis que obriguem o BCE a financiar os
estados ou os países excedentários na balança de pagamentos a apoiar os
deficitários. Veja-se a crescente perda de confiança dos alemães na política
monetária do BCE, apesar dos evidentes riscos de deflação, e a tenaz
resistência do governo alemão ao projecto de uma autoridade bancária
supranacional com poder para decidir a falência de algum dos seus bancos.
Sair da
zona euro tem custos, mas é bom lembrar que nela permanecer impõe uma perda
decisiva, a dos instrumentos de política económica indispensáveis ao
desenvolvimento. Sair implica uma subida inicial dos preços de bens importados
provocada pela desvalorização do novo escudo. Neste contexto, lembro que a
subida do preço dos combustíveis seria muito inferior ao da desvalorização já
que esta apenas incide sobre o custo da matéria-prima; impostos e taxas
representam mais de metade do preço de venda ao público. Quanto aos salários e
às pensões, seria possível actualizá-los sem gerar uma espiral inflacionista.
Um acordo de Concertação Social seria facilitado pelo clima de confiança gerado
pelo lançamento de um programa de criação de milhares de empregos socialmente
úteis, envolvendo entidades locais de diferentes sectores e financiado por
emissão monetária. Segundo as simulações de Jacques Sapir, o impacto da
desvalorização nos preços reduzir-se-ia substancialmente ao fim de dois anos.
Apesar de
entretanto já ter saído do país muito dinheiro, chegado o dia seria necessário
encerrar os bancos e introduzir o controlo dos movimentos de capitais. Uma
estratégia de introdução da nova moeda, de uma só vez, implicaria a conversão
imediata dos depósitos bancários em novos escudos no mesmo montante. O mesmo
aconteceria às dívidas contraídas ao abrigo da lei nacional. Os preços seriam
também os mesmos, em novos escudos. Provisoriamente, as notas e moedas em
circulação seriam aceites nos pagamentos como sendo novos escudos. É verdade
que os bancos teriam de ser recapitalizados mas isso teria solução imediata e
sem custos. O governo criaria um fundo de recapitalização financiado pelo Banco
de Portugal (moeda electrónica) que, entrando no capital social dos bancos, os
transformaria em bancos públicos. Recentrado no mercado nacional, em devido
tempo o sistema bancário teria de ser redimensionado e sujeito a novo
enquadramento jurídico.
A dívida
externa contraída ao abrigo da legislação nacional ficaria convertida na nova
moeda, como prevê o direito internacional. Os casos da EDP e da Petrogal teriam
de ser tratados de forma particular, para evitar rupturas. A dívida externa
pública que permanecesse em euros seria objecto de uma moratória que reduziria
a saída de divisas e forçaria a sua renegociação.
Ponto
importante: as pensões e os salários dos funcionários públicos seriam repostos
ao nível anterior ao Memorando através de financiamento monetário. Sendo as
importações agora muito mais caras, além de administrativamente mais
controladas, a economia seria fortemente estimulada por esta medida, reforçando
o já referido programa público de criação de empregos.
Finalmente,
não há qualquer risco de isolamento do país. A saída de um membro da zona euro,
além de precipitar a saída de outros, conduzirá (após alguma turbulência
inevitável) a uma UE a várias velocidades. A Alemanha começaria a pagar o preço
do seu mercantilismo agressivo, ao mesmo tempo que o crescimento e o emprego
regressariam ao Sul da Europa.
Está nas
nossas mãos a saída da crise. Lembrando Roosevelt, "a única coisa de que
devemos ter medo é do próprio medo".
Estou
convencido que a zona euro não tem condições para se manter porque, quer a
germanização da Europa dos estados-nação, quer a federalização da Europa, não
têm apoio político à vista.
Por Jorge Bateira
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas