"Quando o ex-ministro das Finanças Vítor
Gaspar aparecia, o povo tremia. E com razão: para o bem e para o mal, Gaspar
dizia ao que vinha e dizia-nos o que aí vinha. Portas apenas nos disse ao que
vinha: não disse o que aí vinha. Ora, perder de vista o que aí vem é o mesmo
que fechar os olhos quando chegamos em alta velocidade a uma curva
apertada".
O leitor perdoar-me-á o facto de me citar a
mim mesmo, mas escrevi exatamente isto há três dias. Confesso: acabei o texto
com a sensação de ter carregado nos negros. Infelizmente, a sensação estava
errada, estando certa a impressão de que os raios de luz que pareciam irradiar
da conversa de Paulo Portas faziam parte daquilo que, a par da inteligência, distingue
o vice-primeiro-ministro: a capacidade para esconder a verdade fazendo rimar as
palavras, para que tudo vá fluindo até ao ponto em que o público fica
anestesiado.
O leitor recordar-se-á também de que, no
debate quinzenal da passada sexta-feira, o primeiro-ministro encheu os pulmões
de ar e gritou: "Chegou a hora da verdade". É verdade: chegou a hora
da verdade para milhares e milhares de pensionistas que, vivendo com pouco, vão
passar a viver com ainda menos.
A "TSU dos viúvos", para usar a
expressão que ontem tomou conta das redes sociais, é, convém lembrar, o
terceiro corte direto que os pensionistas apanham no seu rendimento: já foram
chamados a contribuir com uma taxa extraordinária e já levaram, em média, uma
ceifadela de 10% no que recebiam.
Um número apenas para ilustrar a dimensão da
coisa. Dizem os dados do Ministério das Finanças que só os cortes na Caixa
Geral de Aposentações (CGA) previstos para o próximo ano vão afetar 302 mil
pensões de velhice e 44 mil pensões de sobrevivência, o que corresponde a mais
de 60% dos beneficiários da CGA.
A isto, que não é pouco, há ainda que somar a
subida da idade da reforma para os 66 anos e respetivo agravamento do fator de
sustentabilidade, que implicará mais penalizações para os novos reformados,
incluindo os que têm pensões mais baixas. E há que acrescentar a redução de
benefícios fiscais, o aumento dos impostos, etc., etc., etc....
A "TSU dos viúvos" constitui, pela
dimensão e pela forma como, outra vez, foi erradamente comunicada e ainda mais
erradamente explicada, mais uma passo sério para o engrossar do "exército
de abandonados" gerado pelo agravamento da crise social que sova, todos os
dias, os que menos podem.
O tiquetaque desta bomba-relógio é
ensurdecedor. É perigoso. É temível. É evitável? É, no mínimo, contrariável.
Basta dizer a verdade, explicar, contextualizar. A famosa condição de recursos
(obrigação de fazer prova da totalidade dos rendimentos auferidos) é, em tese,
um bom princípio. Mas não pode servir, como está a servir neste caso, para,
novamente, tapar os olhos aos portugueses.
Paulo Ferreira, no JN
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