1. Pensões. Os portugueses vão suportar até à última gota de
sangue a crise dos mercados. Não significa pagar apenas hoje em impostos,
cortes nas pensões ou desemprego, mas também projetá-la irreversivelmente num
longuíssimo futuro. Como? Notícias nos jornais económicos revelam uma mudança
de estratégia de Vítor Gaspar: o Governo quer que o Fundo de Estabilização
Financeira da Segurança Social passe a investir 90 por cento da carteira da
poupança dos portugueses em dívida pública nacional. Na prática, significa
aumentar de 6 para 10 mil milhões de euros as aplicações da Segurança Social em
dívida nacional. O Governo diminuiu uns pontitos no rácio de dívida pública,
que está acima dos 120%, mas a consequência para os contribuintes não parece
muito grave porque se o Estado não responder pela dívida pública significa que
faliu. De facto não é bem assim.
Parece normal que os portugueses sejam os
principais investidores do seu próprio país e financiem o Estado. Mas esta
decisão leva esse princípio longe de mais. Uma coisa é o Fundo que gere o
dinheiro das futuras pensões aplicar, por lei, 50 ou 60% da sua carteira em Portugal. Outra
coisa é subir esse valor até 90%. Porque se o Estado português claudicar no
falhanço das reformas estruturais e o Estado nunca controlar o défice
(continuando a endividar-se), isso significa que os trabalhadores portugueses
vão ser o primeiro dano colateral dessa política. Quem faz descontos estará
literalmente a financiar a dívida pública, sem qualquer diversificação,
prudente, dos ativos da Segurança Social (em títulos de países menos atingidos
pela crise ou em setores de rentabilidade estáveis).
É um plano maquiavélico de Gaspar e da troika.
Os portugueses acumulam o estatuto de beneficiários e credores do mesmo Estado.
É como se a Segurança Social se convertesse em mais um imposto e não numa
poupança.
Do ponto de vista político o Governo está a
deixar-nos uma herança irreversível: todos os portugueses terão de olhar para o
ministro das Finanças (qualquer que ele seja) como o gestor da possibilidade de
terem ou não pensões de reforma no futuro. Politicamente pode parecer coerente
mas do ponto de vista do risco e da boa-fé dos contribuintes é assustador. Além
de que levanta a questão mais importante de todas: sempre que alguém reclamar
perdão da dívida para Portugal isso significará, não só uma hecatombe nos
bancos portugueses, carregados de dívida pública, mas também a perda das
poupanças amealhadas pelos portugueses na Segurança Social.
Portanto, não nos esqueçamos: sempre que
quisermos um perdão de dívida de (30... 40... 50... por cento) será essa
percentagem que desaparecerá da Segurança Social. Com uma diferença entre os
credores internacionais e nós: eles beneficiaram de juros elevados, durante
muitos anos; nós entramos com a casa a arder apenas para os ajudar a perder
menos dinheiro.
2. Porto - de Lisboa. O Governo já anda em campanha para obter
financiadores para o novo Porto de Lisboa, na Trafaria. O ministro da Economia
já o deu como adquirido numa conferência recente em Madrid e a falida Refer
está a postos para concretizar mais esse desígnio nacional. O presidente da
empresa disse no Parlamento esta semana que levar a linha ferroviária ao novo
porto de Lisboa na margem Sul custa 160 milhões de euros.
Como se vê, quando se trata dos investidores
bem colocados junto do Poder, eles sonham, eles querem, e a obra nasce (com os
sempre necessários dinheiros do Estado a ajudar nas infraestruturas). E
interessa pouco que Sines seja um porto com características idênticas ao da
Trafaria. Neste mundo controlado pela ausência de visão de conjunto de um
primeiro-ministro, uns não conseguem a bênção do Governo para uma dívida de 2,4
milhões de euros na reabilitação urbana da segunda cidade do país, outros
preparam já as infraestruturas de 160 milhões de euros que se tornaram
imediatamente essenciais e indiscutíveis.
Não interessa que no resto do país haja
gravíssimas ausências de investimento estrutural - incluindo no 'país
exportador' que continua a segurar o país. O Governo só está preocupado em
criar 'investimento' e 'soundbytes', sejam eles quais forem, para tentar
sobreviver. E quanto mais tempo passa com este Governo, mais comprometemos o
futuro.
Daniel Deusdado, no JN