Os primos sempre foram uma fonte de desculpas esfarrapadas das famílias: muitas das cunhas mais fúteis são metidas em nome deles e muitas outras à conta deles. Quantas vezes sem os próprios saberem.
Até nisto das cunhas deveria haver maior responsabilidade reconhecível: em nome do pai, do filho, do irmão, quando muito do avô ou do neto. Estender o parentesco é uma gincana para melhor esconder a negociata.
Estas eram as condições gerais do jogo da cunha, tão familiar entre nós que ninguém consegue dar-lhe uma data histórica de baptismo.
Nesta condições gerais para meter uma cunha houve, no entanto, um "upgrade" motivado pela reprodução massiva de uns primos especiais: a primalhada dos partidos que ocupa cargos dirigentes em funções públicas e faz negócios à conta dos bens públicos.
Como sabemos, entre jovens turcos e velhos senadores, já não se contam os escândalos de negócios, à conta de lugares dirigentes no aparelho de Estado e nas empresas participadas, personificados na figura do "primo" político. E porque o segredo é a alma do negócio, quando o partido se torna governo ei-lo a nomear os seus "boys" dispensando-os de apadrinhamento nas bases. À primeira vista até engana: nomear à revelia do partido é de homem. Puro engano: sempre primos políticos.
Esta questão da primalhada política ganha dimensão quando o tempo é de apertar o cinto. Como este em que a cada dia que passa somos obrigados a fazer mais um furo no cinto e a voltar a apertá-lo.
É o caso das medidas anunciadas ontem pelo nosso ministro das Finanças: aumentar o IVA da factura de energia eléctrica ou do gás de seis para 23 por cento é um fortíssimo aperto nos salários de grande parte da classe média. A tal de que precisamos para a retoma. No caso das regiões Norte e Centro, onde os salários médios são os mais baixos do país, o cinto vai ter ainda mais furos.
Porém, a questão da primalhada dos partidos não é do Norte ou do Centro. Tirando os próprios beneficiários, é Portugal inteiro que espera por conhecer como é que o Estado pretende cortar na despesa pública que criou. Boa parte dela, apenas para satisfazer essa primalhada.
É preciso que haja uma resposta, sobretudo para quem considera a democracia parlamentar e os partidos políticos essenciais ao nosso modo de vida.
E ainda porque precisamos, como de pão para a boca, de uma mão-cheia de boas razões para suportar sacrifícios que resultam dessa primalhada que se nos foi impondo em nome da democracia. E nós fomos aceitando, como se de família se tratasse. Afastada, mas família.