O "Fórum das Regiões", defende uma Região Norte coincidente com a actual região-plano (CCDR-N) e um modelo de regionalização administrativa, tal como o consagrado na Constituição da República Portuguesa.

O "Fórum das Regiões", considera a Regionalização o melhor modelo para o desenvolvimento de Portugal e para ultrapassar o crescente empobrecimento com que a Região Norte se depara.


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Eleições viciadas

O sistema eleitoral autárquico permite candidaturas independentes, mas sem lhes conceder as mesmas condições que dá aos partidos políticos. No processo eleitoral que se avizinha, os independentes partem com uma enorme desvantagem.

Desde logo, porque não dispõem dos meios financeiros ilimitados a que os partidos com assento parlamentar têm acesso. Estes canalizam para o processo eleitoral autárquico alguns dos muitos milhões de subvenções que recebem do estado. As condições financeiras são desiguais. E, para agravar esta situação, os partidos têm isenções fiscais, não pagam IVA, enquanto os independentes a isso estão obrigados. Por absurdo, são os candidatos com menos recursos que pagam mais impostos.

Mas o que é ainda mais grave é que não são garantidas condições mínimas de igualdade no acesso aos cidadãos para a transmissão da mensagem eleitoral.

Os partidos do regime beneficiam de doses maciças de propaganda através das televisões e de outros órgãos de comunicação nacionais. Daqui até às eleições, os debates irão suceder-se nos vários canais, com os representantes partidários a defenderem os seus candidatos. Os portugueses irão ser bombardeados com programas em que os candidatos dos partidos do regime serão propagandeados, enquanto os independentes serão esquecidos. Quando o tema em debate for ligado ao processo eleitoral, a campanha será explícita. E mesmo quando se discuta política nacional, as eleições locais estarão presentes, ainda que implicitamente. Como se irão tirar ilações de caráter nacional a partir dos resultados locais, a política governamental e parlamentar estará sempre contaminada pela campanha eleitoral autárquica.

Com a democracia portuguesa diminuída, o processo autárquico está refém de uma partidocracia dominante. Exige-se agora uma atitude corajosa da Comissão Nacional de Eleições, a par de uma desejável autorregulação por parte dos órgãos de comunicação social. A nível local, devem ser proporcionados meios de acesso ao eleitorado equitativos, para partidos e candidaturas independentes. E, sobretudo, devem impedir-se as lavagens de cérebro que os comentadores de serviço dos partidos irão tentar impingir através das televisões.


Por:Paulo Morais, Professor Universitário, no CM

Uma semana para acabar com isto

A impossibilidade de o PS fazer um acordo com PSD e CDS é do domínio do óbvio

O problema de se viver no absurdo é que de repente as pessoas começam a habituar-se e a actuar, sob a aparência de normalidade, nas fronteiras do nonsense. Estas últimas semanas ultrapassaram tudo o que era imaginável - pelo menos desde que nos idos 1975 o almirante e primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo convocou uma greve do governo. Felizmente agora existe um prazo para pôr fim a isto: daqui a uma semana o diálogo entre os partidos do governo e o PS falha - não existe nenhuma alternativa a isso, a menos que numa reviravolta impossível Passos Coelho e Paulo Portas atirassem a toalha ao chão. Mas o afastamento de Passos e Portas, que seria uma janela de oportunidade para o tal acordo de regime, não tem viabilidade: a insistência de Passos Coelho em manter-se no poder depois de ter sido sucessivamente "demitido" por Vítor Gaspar, Paulo Portas e pelo Presidente da República, faz antever que só sairá de cena arrancado à força. O governo terá de ser demitido - coisa que o Presidente da República gostaria de ter visto já acontecer, por iniciativa dos próprios, mas que será obrigado a forçar de uma maneira mais directa e "constitucional" que a que utilizou na sua comunicação ao país. Aliás, o Presidente afirmou no seu discurso que a Constituição tem previstas saídas para a crise - e até por esta frase seria fácil concluir que nunca passou pela cabeça de Cavaco Silva reconduzir o governo na sua "fórmula" actualizada, em que Paulo Portas passava a responsável português perante a troika.

Um Presidente pode demitir um governo "se isso for necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições". Nunca esta frase fez tanto sentido como hoje.

O "diálogo" entre os três partidos para a tentativa do "compromisso de salvação nacional" é apenas um derradeiro esforço antes da decisão final - o Presidente da República deverá contra a sua vontade ver- -se obrigado a convocar eleições antecipadas se não conseguir convencer o PSD da necessidade de retirar Passos Coelho de cena. E é difícil que consiga.

Temos portanto uma semana para acabar com isto. A impossibilidade de o PS fazer um acordo com os actuais PSD e CDS é do domínio do óbvio. Impor um governo do género de iniciativa presidencial não é fácil no contexto constitucional. No fim da semana do diálogo, Cavaco Silva fará um nova comunicação ao país em que acusará os partidos e anunciará o óbvio: contra a sua vontade, vai marcar eleições antecipadas.



Ana Sá Lopes, no DN

O elogio da roulotte Samuely

Das duas vezes, nos santos populares, andámos entre o Fluvial e o Passeio Alegre. A oferta de diversões, comes e bebes é satisfatória e circula-se mais à vontade do que na Ribeira ou Afurada. No S. João não vimos o fogo de artifício ao vivo, mas, para compensar, no S. Pedro assistimos de palanque - primeira plateia, coxia central - ao foguetório, que não foi pior, antes pelo contrário.
Nas festas, a Marginal tem matrecos, carrosséis, pistas de carrinhos de choque, roulottes de bifanas e pão com chouriço, barracas de doce da Teixeira, e o Cabeças, tenda com mesas corridas onde vendiam deliciosas sandes de um porco assado no espeto, à vista de todos, empurradas por cerveja fresca em canecas de grés estupidamente geladas.
Faltavam os pimentos e sardinhas, assadas na hora, mas não as incontornáveis farturas. Na noite de S. João, fiquei freguês das do Pavilhão Samuely. Voltei no S. Pedro e demorei-me a analisar o processo produtivo, enquanto comíamos as farturas empoleirados na colina de relva do jardim do Cálem, ali ao lado do monumento que celebra a conquista de Ceuta e nos recorda porque somos tripeiros.
Eram só três a trabalhar. O pai (presumivelmente Samuel) e duas filhas, ambas sub-18 (cruz, credo, canhoto! exploração de trabalho infantil!). O Samuel manejava com destreza o tubo, espalhando circularmente a massa na frigideira XXL com o óleo a ferver, virava a rosca gigante e depois, com ela já tostada, depositava-a no tabuleiro lateral, e voltava ao início, enchia o tubo...
Ao lado uma da outra, sem nunca se atropelarem nem deixarem cair um sorriso verdadeiro (se não era contratem-nas já para os Morangos com Açúcar!), as duas miúdas atendiam a freguesia, faziam marketing (um irresistível: "Meia dúzia são quatro euros, mas olhe que por cinco leva nove " ), cortavam as farturas, polvilhavam-nas com açúcar e canela, davam o troco e passavam ao cliente seguinte.
Enquanto esperava o fogo, maravilhei-me a apreciar a eficiência, precisão e profissionalismo do trabalho na roulotte Samuely, onde apesar da forte procura nunca se chegou a formar bicha.
Depois, para matar o tempo, entretive-me a imaginar o pesadelo que seria se nacionalizassem os carrinhos de choque e guarnecessem com funcionários públicos as roulottes de bifanas e farturas. Meeeeedo! Seria um Inferno - pior que o do Dante e do Dan Brown juntos.
Belmiro disse uma vez que o Marques Mendes nem para porteiro da Sonae servia, porque com a sua verborreia confundiria os visitantes. Na noite de S. Pedro, convenci-me que o Cavaco, o Passos e Portas nem para gerir a pista dos carrinhos de choque serviam. E que o Seguro, o Carlos Silva e o Arménio, todos juntos, levariam à falência, enquanto o Diabo esfregava um olho, a roulotte Samuely. Meeeedo!
Arre porra!, que tristeza que é haver neste país tanta gente boa e amante do trabalho e nós termos de aguentar com um cambada de incompetentes e ladrões de impostos instalados no poder em Lisboa.



Jorge Fiel, no JN

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Governo fora de prazo

Se o Governo fosse um produto transacionável, a ASAE já o teria removido das prateleiras da democracia e responsabilizado os partidos da maioria parlamentar que o suportam. Apesar de um prazo de validade nominal de quatro anos, este "produto" começou a dar sinais de degradação ao fim de apenas um ano, acabando por apodrecer ao fim de dois, isto é, apenas a meio do prazo.

Olhemos para o Governo da República a partir de três dimensões que caracterizam um produto organizacional: orgânica, missão e liderança.

Na linha da deriva populista e irrefletida que norteou o período pós-eleitoral de 2011, o primeiro-ministro desenhou um Governo de orgânica minimalista, com apenas 11 ministros. A gestão de um país num mundo moderno, onde os tempos são difíceis e os problemas complexos, exige equipas de dimensão adequada. Por exemplo, o Governo finlandês, que tomou posse também em 2011, tinha 19 ministros. Como seria de esperar, o Governo tornou-se numa máquina enferrujada, quase paralisada. Qualquer principiante teria percebido que não se faz um Governo com menos de 15 ministros.

A missão - governar - inscreve-se sempre no quadro de uma visão e de uma orientação ideológica. Sabia-se da predileção de Passos Coelho pela linha mais liberal do tipo "quanto menos Estado, melhor". A este pressuposto acresceu uma crença inamovível nos méritos da austeridade extrema, uma espécie de trilho perfeito ao longo do qual a economia afundaria por um tempo curto, tudo o que era ativo tóxico (empresas, instituições, pessoas) desapareceria e, na sequência, uma esplendorosa primavera, aí pela metade do mandato, daria vida a uma robusta recuperação, com os mercados e a Europa ajoelhados ao milagre português.

Assim não foi, como qualquer economista médio anteciparia, porque não há crescimento sem investimento. O primado das finanças sobre a economia imposto pela dupla Gaspar-Coelho resultou no decréscimo do PIB, no aumento dos impostos, do desemprego e da dívida, no descontrolo do défice e, por fim, na constatação de que as yields não desceram após todo este esforço. O Governo falhou na missão.

A liderança, corporizada pelo primeiro e pelos restantes ministros, deixou dúvidas desde o primeiro dia. Entregar megaministérios a governantes inexperientes, sem peso político para se imporem perante os pares e sem o conhecimento necessário para trabalharem com os atores da sociedade e da economia é, naturalmente, erro de principiante. Mas o melhor diagnóstico deste elenco ministerial foi a imagem derrotada e acabrunhada da bancada do Governo no debate do estado da Nação de sexta-feira. Ministros que não se olhavam, um ministro demissionário que ao que parece tinha já arrumado o gabinete, outro que tem guia de marcha para ser substituído, outra que poderá ver o seu Ministério partido a meio, enfim, uma vergonha para a nossa democracia.

A ASAE é, neste caso, o presidente da República. E, ao contrário da atenta e diligente ASAE da vida real, Cavaco Silva foi dando espaço a um produto em decadência, ao ponto de, quando finalmente a podridão se manifestou de dentro para fora, ver o seu espaço de manobra muito limitado. O caminho, por muito que custe ao presidente, será fatalmente uma eleição antecipada, quanto antes, melhor. Porque em democracia não há artifício político que contorne o sufrágio. Tem consequências na execução do plano de assistência? Certamente que sim. Mas se há dois anos foi possível juntar as três principais forças políticas e negociar um memorando com a troika num quadro de eleições antecipadas, não vejo por que razão não se pode agora renegociar o programa de ajuda, envolvendo as mesmas forças, partindo para um ato eleitoral que nos traga um Governo mais capaz.

Vale aqui recordar o famoso artigo de Cavaco escrito em 2004, no qual recuperou a lei de Gresham para estabelecer o paralelo entre a má moeda que expulsa a boa moeda e os políticos incompetentes que expulsam os políticos competentes. O professor alertava à data para a necessidade de inverter este efeito. Pois bem, esta é a hora de, na primeira pessoa, o agora presidente protagonizar aquilo que no passado defendeu: substituir o mau produto, fora de prazo, por um outro com validade.



José Mendes,  no JN

Prova de morte

Uma pessoa não se cansa de ler o discurso em que o político Cavaco Silva quis fazer prova de vida. A delícia começa logo na primeira frase: "Na semana passada, fomos confrontados, de forma inesperada, com uma grave crise política." Logo agora, que os partidos da coligação andavam a dar-se tão bem e nem tinha havido dois orçamentos inconstitucionais. E os resultados da governação? Joia. Aliás, os portugueses não podiam estar mais satisfeitos: tudo como deus com os anjos - é ver aquela salva de palmas na tomada de posse (ou será coroação?) do patriarca.

O segundo parágrafo também encanta: os portugueses, diz o político belenense, ficaram a saber o que sucede "quando se associa uma crise política à crise económica e social". Faltou acrescentar: "Os que nasceram depois de março de 2011, ou andaram perdidos no espaço." Ah, mas espera: esta crise é diferente das outras. E é por isso que não deve haver eleições antecipadas em setembro: porque teríamos um Governo de gestão durante dois meses e se isso sucedesse o mais certo, apesar de estar tudo tão no bom caminho, era levarmos com um segundo resgate (levar com o primeiro foi ginjas), além de que há "grande tensão e crispação entre as forças partidárias", pelo que seria difícil sair das urnas um Governo com consistência e solidez". Portanto, que sugere este político que foi dez anos PM depois de uma dissolução do Parlamento pelo então presidente Soares, que é PR há sete tendo feito tudo para que Sócrates se demitisse, e que ainda na semana passada, entre a demissão de Gaspar e a de Portas, certificou que quem manda governos abaixo é e só pode ser a Assembleia da República? Que deve haver eleições antecipadas não dentro de dois mas de 11 meses. E um acordo entre os partidos do Governo e o PS quanto ao rumo a seguir nos próximos anos - para isso a "grande tensão e crispação entre as forças partidárias" já não é problema, portanto.

Já quase tudo foi dito sobre esta proposta de um político que fala dos "agentes políticos" como se não fosse um deles; que andou os últimos dias a gozar com Passos e Portas (sendo bem merecido, é abjeto); que na prática demitiu o primeiro-ministro ao mesmo tempo que afirma manter o Executivo "a plenitude das funções"; que lançou o País numa campanha eleitoral de um ano apesar de querer transformar as eleições numa farsa; que trata dois partidos com assento parlamentar e mais de 20% dos votos como irrelevantes; que é difícil imaginar um cenário de maior confusão e instabilidade que o resultante deste pronunciamento. Mas talvez o mais saboroso de tudo seja que, ao propor o recurso a "uma personalidade de reconhecido prestígio que promova e facilite o diálogo" entre partidos, Cavaco esteja a assumir que não pode ser ele a fazer esse papel - que é o de Presidente. Não era que não soubéssemos; não sabíamos era que ele tinha noção.

por FERNANDA CÂNCIO, no DN

Estou a marimbar-me para eles

Tem estado uma caloraça que não se aguenta. Só se está bem no ar condicionado ou ao lado de uma ventoinha. Já uma pessoa não se pode acreditar em ninguém. Não é que os meteorologistas franceses juravam que vinha aí o mais frio verão de que há memória? A previsão saiu-lhes furada. Já não me lembro de tantos dias seguidos com o termómetro acima dos 30. Está de ananases, como diria o Eça.

Lá em casa tem sido um inferno. Como é o último andar, os quartos aquecem durante o dia e à noite, quando vamos dormir, até parece que estamos a entrar numa sauna. O João, o meu mais pequenino (faz 13 anos no mês que vem), quando não consegue adormecer vai para a varanda. Esperto, o rapaz.

O apartamento até é porreiro, gostamos muito dele, mas tem o defeito de ser quente no verão e frio no inverno, ou seja, o clima ideal para as cerejas. Noutro dia, estive em Resende e explicaram-me que as cerejas pedem temperaturas extremas, muito frio e muito calor.

Nestes tempos destrambelhados de aquecimento global, precisamos de gastar umas massas em vidros duplos e convencer o condomínio a investir no isolamento térmico da placa - nada de mais, afinal somos um país corticeiro -, para beneficiarmos de mais conforto na nossa casinha, que está boa para as cerejas, como diria o Eça, que, como se sabe, casou com a filha do conde de Resende, e Tormes fica mesmo ali em frente, na outra margem do Douro.

Mudando de assunto. Estou muito confiante na próxima época, apesar de o nosso Porto ter ainda alguns nós (Fernando, Rolando, Atsu......) para desatar. Espero que a SAD tenha aprendido com o Álvaro Pereira. E estou curioso para ver quem vai fazer de Moutinho e se o Iturbe finalmente se revela um Messi.

As notícias que vêm da Luz são animadoras, apesar de, por este andar, não irem conseguir bater o recorde das contratações no defeso, feitas através da capa de "A Bola". De resto, continuam iguais a si próprios. O pândego do Jesus imitou o ministro da Propaganda do Saddam, declarando que "o Benfica está próximo de ter a hegemonia no futebol português" . E pelos vistos vão ficar com o Cardozo, uma bomba--relógio pronta a explodir a qualquer momento. Lindo. Continuem assim, pois estão no bom caminho!

Bom, o espaço está a esgotar-se e acho que devo uma explicação a quem se deu à maçada de ler até aqui por estar convencido que eu iria emitir a minha opinião sobre coisas tão melancólicas como a situação do país, o segundo resgate, as eleições antecipadas - ou as canalhadas praticadas por políticos sem qualidades nem virtudes, para os quais me estou a marimbar. Não lhes dou confiança.

Não me apanham a fazer devaneios sobre a nossa democracia empobrecida ou em incontinências metafísicas próprias de mulheres na menopausa ou de homens sem assunto. Sou da velha guarda. Não gasto cera com tão ruins defuntos. Prefiro fazer conversa sobre temas que interessam, como o tempo ou o futebol. Até porque quem realmente manda e decide não mora em Lisboa - mas em Bruxelas, Frankfurt e Berlim.


Jorge Fiel, no JN

A ilusão nacional irrevogável

Neste dia em que escrevo não é fácil escrever que Portugal tem governo. As aparências iludem...Desde logo a língua portuguesa, mesmo maltratada, continua apta a fazer das suas. A frase acima pode ser entendida no sentido de que o nosso país não tem governo possível, depois de tantas asneiras, mas pode e neste caso deve, ser percebida no sentido de saber se Portugal tem (ou não...) um Governo em termos de órgão do poder executivo.

Só que esclarecida esta primeira dificuldade, a dúvida mantém-se instalada. Existe um Governo em funções quando alguns dos seus ministros se declararam demissionários? Existe um Governo quando o presidente da República passa vários dias a ouvir os partidos (incluindo os que integram este Governo, ou mais ou menos...) para saber se há de formar outro Governo, parecido com este ou diferente dele, ou pelo contrário deve convocar eleições antecipadas, já para não alinhar nas especulações antigas que falavam na vontade de Cavaco arranjar um Governo de Bloco Central à volta de Rui Rio e António Costa?

Existe um Governo quando a Comunicação Social publica propostas de constituição de um novo Governo pela velha maioria, que "despede" ministros supostamente em funções, troca outros de pastas e recompõe ministérios sem mexer nos ministros?

Existe um Governo que tem (ou tinha) um ministro dos Negócios Estrangeiros que vai para fora cá dentro e agora parece que vai voltar para dentro do Governo, mas deixando de ir para fora, porque mudou de ideias e também vai mudar de pasta?

Existe um Governo que tem um ministro Maduro (mas verde nestas coisas das tricas políticas) a quem confiaram a coordenação política do elenco e que nem aqueceu o lugar antes de assistir à maior falta de coordenação política que representaram os episódios da demissão de Gaspar, a tomada de posse de Maria Luís Albuquerque e a putativa, mas irrevogável demissão de Paulo Portas? Já para não falar na ameaças de demissão de Mota Soares e Assunção Cristas?

Dizem que sim. Parece que existe. As más-línguas das boas previsões dizem até que este Governo está para durar, porque Cavaco tem horror ao vazio e vai reconduzi-lo, talvez recauchutá-lo, mas nunca por nunca demiti-lo.

Darece que vai ser possível assistirmos à tomada de posse, mais uma, com a solenidade habitual, onde todas estas caras se encontrarão e sorrirão larocas para as fotografias, sem qualquer vergonha pelo que andam a fazer.

Deste Governo desaparecerão os mal-entendidos, as más influências, os inimigos da troika e todos os arautos da desgraça.Se se confirmar que Paulo Portas fica mesmo responsável pela parte em que Vítor Gaspar se entendia com os alemães, vai ser bom ver esse novo Governo a dizer a Bruxelas o que Portas tem andado a defender em Lisboa.

Será que é desta que vamos todos a ficar a ver quem manda? Que nos voltaremos a pôr de pé? Ou se o Governo que existe, na hora em que é preciso bater o pé à troika e aos alemães, afinal, mesmo existindo, não existe para essas coisas?

Mesmo quando muda de ministros como eu mudo de camisa?


MS no JN

Lições com Paulo Portas

Ficámos a saber que Paulo Portas é homem capaz de trair na sexta-feira a consciência pessoal que invocara na terça-feira para tomar a decisão "irrevogável" de sair do Governo.

Apreendemos as maravilhas de ser país do Eurogrupo com dívida de 72 mil milhões de euros ao FMI, à Comissão Europeia e ao BCE: só podemos ter um ministro das Finanças se aquela troika gostar, só podemos antecipar eleições se essa troika não se importar, só podemos mudar de governo se a dita troika nada objetar. E sem discussão!
Não sabemos, caso tenhamos eleições regulares em 2015, se os resultados terão, também, de ser previamente aprovados. Talvez não.
Ensinaram-nos mais: o Presidente da República só dá opinião sobre um novo acordo de coligação governamental depois de o senhor holandês Jeroen Dijsselbloem dizer que está "muito satisfeito" com o resultado e de o senhor alemão Wolfgang Schäuble ratificar "o bom caminho" retomado... Nem a Madeira nem os Açores, alguma vez, se sujeitaram a uma humilhação assim face ao Continente. E bem.
Fomos intruídos, portanto, num novo facto: Portugal é a caricatura de um Estado independente. Em vez de tentar encontrar um caminho para inverter o processo de aniquilação da sua autodeterminação, deixa-se comprar, aceita corromper-se para, daqui a um ano, poder endividar-se mais - no mercado ou num "programa cautelar", o novo resgate - com uns caridosos mas incomportáveis juros de cinco ou seis por cento, qual viciado numa toxicodependência de crédito para pagar crédito cujo fluxo o traficante, metódico, assegura com fria eficácia.
Depois de um jornal económico, na quarta-feira, manchetar "Empresários e banqueiros recusam eleições antecipadas", a turba de comentadores que na terça-feira reclamava "demissão, demissão!" passou, lesta e aditivada por gestores, analistas de ações e o governador do Banco de Portugal, a implorar "estabilidade, estabilidade!". E até o novo patriarca, putativo pastor de almas, foi atrás do rebanho apavorado pela bolsa, a cotação da dívida e a Standard & Poors.
O senhor que provocou esta crise falou alto, mas, depois, ouviu das boas dos amigos do partido, dos amigos da coligação, dos amigos da banca, dos amigos empresários, dos amigos europeus, do amigo Pedro. Respondeu baixinho: "Perdoem-me." Jura agora que vai fazer voz grossa à troika. Que anedota!
E os pensionistas, que viram em Portas um salvador, bem podem esperar pela reforma do Estado que este homem lhes vai entregar numa bandeja, de consciência tranquila.
Finalmente, uma última lição: a direita, para sobreviver, é capaz de tudo. A esquerda, em contrapartida, nem sabe como viver.


Pedro Tadeu, no DN

Mário Soares: Resultado do acordo entre PSD e CDS será "uma desgraça total"

O ex-presidente da República Mário Soares afirmou hoje que o resultado do acordo alcançado entre os partidos do Governo vai ser "uma desgraça total" e mostrou-se convencido de que o executivo não deverá durar muito tempo.


"Estou convencido de que o Governo não se vai aguentar muito tempo. Pelo contrário, porque agora é que já ninguém se entende", disse Soares, que falava numa conferência em Lisboa sobre as relações ibero-americanas.

Referindo-se ao actual executivo como "este infeliz Governo", o ex-chefe de Estado disse ter acreditado que o seu mandato estava a terminar quando o ministro Paulo Portas se demitiu na semana passada, mas tudo mudou dias depois.

"O Portas, que é um salta-pocinhas, disse que saía e que se demitia e que era irrevogável a sua decisão. Eu ouvi aquele discurso e até acreditei naquilo. Simplesmente, três ou quatro dias depois mudou de opinião e já está no Governo como vice-presidente", disse Mário Soares.

O líder do PSD e primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, anunciou, no sábado, um entendimento político com o CDS-PP liderado por Paulo Portas, proposto para vice-primeiro-ministro com a responsabilidade da coordenação económica, reforma do Estado e ligação à 'troika', que, caso o Presidente da República, Cavaco Silva, aceite esta solução, se manterá no executivo.

Sobre o futuro, estimou que o executivo irá "amanhar-se muito mal" e mostrou-se convencido de que "vai ser uma desgraça total".

Na sua intervenção, o ex-presidente disse que as relações dos países ibéricos com os países latino-americanos "é fundamental e deve ser desenvolvida", pelo que considerou essencial "conhecer a realidade ibero-americana e a crise" que afecta a Península Ibérica, e considerou "mais ou menos seguro" que a crise europeia se vai repercutir na América Latina.

Soares insistiu que a chanceler alemã, Angela Merkel "é a grande responsável" da crise, porque "foi ela que fez as políticas de austeridade que foram realmente um fracasso".

No entanto, disse não estar "completamente pessimista em relação ao futuro da Europa, por dois motivos: porque a Alemanha será obrigada a mudar para manter os seus níveis de exportação, que dependem do nível de liquidez dos restantes países europeus; e por causa dos EUA.

"Os únicos aliados fiéis que a América do Norte tem são os europeus. Eles não podem dar-se ao luxo de perder esses aliados com uma crise que faz cair no abismo toda a Europa. por isso vão ter de intervir também, de maneira directa ou secundária", disse.

"Eu creio que este próximo ano vai ser um ano de mudança" em toda a Europa, a começar pela Alemanha, acrescentou.


Mário Soares, no JN