A impossibilidade de o PS fazer um acordo com PSD
e CDS é do domínio do óbvio
O problema de se viver no absurdo é que de repente as pessoas
começam a habituar-se e a actuar, sob a aparência de normalidade, nas
fronteiras do nonsense. Estas últimas semanas ultrapassaram tudo o que era
imaginável - pelo menos desde que nos idos 1975 o almirante e primeiro-ministro
Pinheiro de Azevedo convocou uma greve do governo. Felizmente agora existe um
prazo para pôr fim a isto: daqui a uma semana o diálogo entre os partidos do
governo e o PS falha - não existe nenhuma alternativa a isso, a menos que numa
reviravolta impossível Passos Coelho e Paulo Portas atirassem a toalha ao chão.
Mas o afastamento de Passos e Portas, que seria uma janela de oportunidade para
o tal acordo de regime, não tem viabilidade: a insistência de Passos Coelho em
manter-se no poder depois de ter sido sucessivamente "demitido" por
Vítor Gaspar, Paulo Portas e pelo Presidente da República, faz antever que só
sairá de cena arrancado à força. O governo terá de ser demitido - coisa que o
Presidente da República gostaria de ter visto já acontecer, por iniciativa dos
próprios, mas que será obrigado a forçar de uma maneira mais directa e
"constitucional" que a que utilizou na sua comunicação ao país.
Aliás, o Presidente afirmou no seu discurso que a Constituição tem previstas
saídas para a crise - e até por esta frase seria fácil concluir que nunca
passou pela cabeça de Cavaco Silva reconduzir o governo na sua "fórmula"
actualizada, em que
Paulo Portas passava a responsável português perante a
troika.
Um Presidente pode demitir um governo "se isso for necessário
para assegurar o regular funcionamento das instituições". Nunca esta frase
fez tanto sentido como hoje.
O "diálogo" entre os três partidos para a tentativa do
"compromisso de salvação nacional" é apenas um derradeiro esforço
antes da decisão final - o Presidente da República deverá contra a sua vontade
ver- -se obrigado a convocar eleições antecipadas se não conseguir convencer o
PSD da necessidade de retirar Passos Coelho de cena. E é difícil que consiga.
Temos portanto uma semana para acabar com isto. A impossibilidade
de o PS fazer um acordo com os actuais PSD e CDS é do domínio do óbvio. Impor
um governo do género de iniciativa presidencial não é fácil no contexto
constitucional. No fim da semana do diálogo, Cavaco Silva fará um nova
comunicação ao país em que acusará os partidos e anunciará o óbvio: contra a
sua vontade, vai marcar eleições antecipadas.
Ana Sá Lopes, no DN
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