A mensagem de Ano Novo dita ontem aos
portugueses pelo presidente da República é um bocejo. São seis páginas de
conversa mole e desinteressante em que Cavaco Silva mostra como politicamente é: um
monumento ao taticismo e ao equilibrismo, de modo a não chatear Deus, nem
incomodar o diabo.
Ao dar uma no cravo e outra na ferradura, como
diz o povo, o chefe de Estado mostra, por outro lado, toda a sua fragilidade
enquanto ator político. Num tempo que reclama decisão e ação, o presidente da
República escolhe a lassidão (política, claro).
Cavaco Silva está metido na trincheira que o
próprio cavou quando, na crise do verão quente de 2013, tentou transformar um
triângulo num quadrado, tese em que ontem insistiu, ainda que de maneira mais
sibilina. A embrulhada do "compromisso de salvação nacional" foi de
tal forma mal gerida e teve um tal resultado que, agora, o chefe de Estado não
pode, sob pena de abrir o flanco, tecer um encómio ao Governo ou, ao invés,
dirigir-lhe uma crítica mais severa - seria imediatamente acusado de estar a
tramar Passos, por quem, como se sabe, não morre de amores.
Piscar o olho a Seguro é, igualmente,
possibilidade fora de causa. A inversa também é verdadeira. Um elogio ou um
ralhete ao líder do principal partido da Oposição seriam tomados como uma ajuda
ao Governo e uma afronta ao PS.
É por estar metido nesta camisa de onze varas
que o chefe de Estado nos presenteou com pérolas do seguinte calibre:
- "O desemprego manteve-se em níveis muito
elevados". Ai sim?
- "Orgulhamo-nos de viver numa democracia
consolidada". Viva!
- "No ano findo, surgiram sinais que nos
permitem encarar 2014 com mais esperança". Consta que o comum dos
portugueses ainda não avistou tais "sinais", apesar de redobrados
esforços para chegar ao final do mês com os bolsos mais compostos.
- "Há que reconhecer o extraordinário
esforço feito pelos nossos empresários e trabalhadores". Ai sim?
- "Há razões para crer que Portugal não
necessitará de um segundo resgate. Um programa cautelar é uma realidade
diferente". A sério?
Há um ano, o presidente da República mandou o
Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional, por entender que os
gigantes sacrifícios pedidos aos portugueses afetavam "alguns mais do que
outros", facto que naturalmente lhe suscitava "fundadas
dúvidas".
Este ano, apesar da violência da crise
continuar a manifestar-se em todo o seu esplendor, Cavaco não esclareceu sequer
se pretende pedir aos juízes do Palácio Ratton ajuda para descortinar eventuais
problemas no Orçamento. A razão é simples: o presidente da República odeia, mas
odeia mesmo, meter-se em (inevitáveis) problemas antes do tempo.