Está escrito nas estrelas: uma orquestra
desafinada tem pouco futuro. Quando os sons são emitidos sem uma linha
condutora coerente, o público alinha numa valente pateada e tira conclusões -
ou o maestro é incompetente, ou os músicos não dão uma para a caixa ou, outra
hipótese, usam as pautas para se travar de razões entre si.
O atual momento político do país contém todas
as parecenças com um grupo de músicos tresmalhados. É eloquente a gritaria da
Oposição e o descontentamento nas ruas, a tentativa de afinação de Passos
Coelho e os sons divergentes emitidos por Vítor Gaspar e Paulo Portas.
Um simples documento, contendo as novas
projeções da OCDE para Portugal, agravando a estimativa de recessão deste ano
para 2,7 do PIB, contra os 2,3% admitidos pelo Governo e pela troika, voltou a
colocar a nu a desafinação.
Do alto da sua sapiência, o técnico Vítor
Gaspar vê nas projeções da OCDE uma "discrepância de algumas décimas de
ponto percentual" entendendo não as valorizar excessivamente. E o que
disse o político Paulo Portas? Mostrou-se "preocupado"....
Esta diferença de discurso pode parecer um
mero pormenor, mas não. É um "pormaior" - mais um - por encaixar
noutras "nuances" do dia dos mesmos protagonistas.
"Reformar não é cortar, é tornar o Estado
melhor". Que acorde sonante! Propagado por quem? Por Paulo Portas,
respondendo a uma interpelação na Assembleia da República do Bloco de Esquerda
e na qual prometeu a apresentação do documento da reforma do Estado no próximo
mês. Uma mensagem nos antípodas do Orçamento Retificativo forjado por Gaspar e
no qual os novos ajustamentos serão realizados pelo lado da despesa, mas sem
uma qualquer linha de coerência para lá do foco num número final.
Interessante ainda nesta dicotomia entre os
n.OS 2 e 3 do Governo é o posicionamento sobre a capacidade negocial do país
perante os seus credores e o memorando de entendimento com eles assinado ao
tempo do socorro pedido por José Sócrates (convém não esquecer). Para Paulo Portas,
"os programas de ajustamento devem ter adaptação à realidade, os esforços
devem ser realistas e as metas atingíveis". Já para Vítor Gaspar, um
paladino do cumprimento das exigências da troika, indo de preferência até mais
longe, Portugal dispõe de "uma posição negocial muito fragilizada". E
porquê? Espanto dos espantos: o mesmo ministro das Finanças considera que o
programa foi "mal negociado". Dá para rir, sobretudo se se recordar
ter alinhado sempre numa postura de mais papista do que o Papa.
Ao tocarem pautas diferentes, em sucessivos
"concertos", Gaspar e Portas acabam por dar espaço à tal pateada do
público (o povo que paga o espetáculo). E Passos Coelho, o maestro, que é feito
dele? Já deu mostras de apreciar o sopro do ministro das Finanças, mas também
percebe o estardalhaço real de não prestar atenção à percussão barulhenta do
ministro dos Negócios Estrangeiros, ou não fosse ele o dono de uma parte da
banda......
Fernando Santosa, no JN
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