Um dia depois de Pedro Passos Coelho ter
destacado o "talento" de Paulo Portas e o seu "empenho
pessoal" no pacote de medidas anunciadas pelo primeiro-ministro na passada
sexta-feira, o líder do CDS surgiu ontem aos "portugueses", com pose
de estadista e até alguma "jactância" para fazer de conta que parte a
louça toda quando, na realidade, não partiu um prato. O companheiro de Passos
Coelho na peculiar coligação que nos (des)governa precisou de meia hora de
discurso pausado para dizer aos "portugueses" que discorda em
absoluto da proposta que visa impor uma contribuição extraordinária a
pensionistas e reformados como medida para cortar na despesa. "O
primeiro-ministro sabe e creio que é a fronteira que não posso deixar
passar", acrescentou solenemente Portas. O também ministro de Estado e dos
Negócios Estrangeiros foi ainda mais longe ao afirmar que a medida é "um
cisma grisalho que afetaria mais de três milhões de pensionistas da Segurança
Social e da Caixa Geral de Aposentações".
Nós, os "portugueses" a quem o líder
centrista tão solenemente se dirigiu, ouvimos mas não entendemos bem o que
pretendeu dizer. Mas então Portas não aceitou o que diz agora ser a linha
vermelha que não está disposto a ultrapassar? Aceitou, mesmo que diga ter
aceitado no limite. E ao aceitar participou numa farsa que a TSF desmontou, e
bem, horas antes da comunicação televisiva e em direto de Portas. A saber: os
cortes estimados pelo Governo para este ano poderão atingir os 1400 milhões de
euros, parte dos quais em despesas fixas dos ministérios. E, se assim for, o
ministério de Vítor Gaspar pode consolidar uma almofada de 200 milhões de
euros. É este valor que, somado a outros cortes menores, poderá ser suficiente
para fazer cair a contribuição de sustentabilidade.
A declaração de Paulo Portas veio, portanto,
reforçar o que já sabíamos. O Governo anda à deriva, fala a duas vozes e
insiste em brincar, uma vez mais, com a nossa vida. E com especial crueldade
com a vida dos mais frágeis: os reformados e pensionistas.
E nós, os "portugueses", olhamos
ainda mais incrédulos para esta coligação que se assemelha a uma pista de
carrinhos de choque de feiras e romarias (locais tão caros a Portas) onde
rodopiam dois pilotos tresloucados a tentar chocar ora de frente, ora de lado.
Num carrinho vai Portas, no outro vai Passos. E nós, os
"portugueses", estamos já sem carrinho, no meio da pista, indefesos,
a ver de que lado seremos atingidos pelas viaturas descontroladas. De fora, aos
comandos da pista (e, já agora, da aparelhagem sonora) está Cavaco Silva.
Apesar de ter o disjuntor por perto, o presidente parece observar tudo isto sem
vontade de agir, tornando-se por isso, além de testemunha privilegiada,
cúmplice do ziguezague de Portas e Passos.
Ou, se quisermos usar uma imagem mais cara ao
primeiro-ministro, o presidente da República vê ambos a chafurdar no pântano
onde nos estamos a enterrar. E apela à concórdia política e à coesão social. E
apela e apela e apela. Com a ajuda do microfone roufenho.
Alfredo Leite, no JN
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