Amigo Álvaro, uma má notícia: Vancouver não
tem saudades tuas. "Álvaro who?" "Minister"? Tudo calmo no
Canadá sem ti. Talvez tu tenhas saudades do Canadá. Ou talvez não - está sempre
a chover, frio, e, assim como assim, umas 'férias' em Portugal vieram a calhar.
Depois voltas tranquilamente para a civilização onde nenhum dos teus amigos
saberá que tentaste meter um país no caixote do lixo ambiental.
Só assim se compreende que consigas
ultrapassar em meia dúzia de meses as traquinices irresponsáveis dos PIN
(projetos de Potencial Interesse Nacional) de Sócrates, Pinho e Basílio, que
arrasavam o que fosse preciso por uma boa notícia de telejornal. O teu padrão é
o mesmo: o que é necessário é "investimento". Desenvolvimento à
pressa, martelado, cujas consequências nem quererás compreender. Obviamente,
quando o recreio acabar, voltas às aulas de Vancouver.
Portugal ficará literalmente esventrado depois
desta tua aventura de assinares uma centena de contratos de exploração mineira
cuja exploração, no final, deixará crateras e contaminações nos cursos de água
durante séculos. Já para não falar das poeiras que voam a quilómetros de
distância e criam permanentes problemas respiratórios. Basta ir às Minas de São
Domingos, no Alentejo, a São Pedro da Cova, em Gondomar, ou Nelas e Canas de
Senhorim (bem perto de Viseu, tua terra natal) e ver. Crateras lunares e
contaminações letais.
Percebe-se que algo de muito grave tem de
estar a acontecer a um país que entrega, sem qualquer burburinho público, uma
centena de novas concessões mineiras de uma só vez, faz do eucalipto a sua
principal espécie e acha que vastas áreas de monocultura de olival intensivo
(onde se inclui o maior do Mundo, com 12 mil hectares), numa terra tão árida
como o Alentejo, é algo de sustentável. Assim, é um país sem futuro, e não por
causa da dívida mas sim por perder o território.
Nesse mesmo fio de pensamento parecer-te-á
normal, caro Álvaro, apoiares a exploração de gás de xisto (shale gas) no
estuário do Tejo quando se sabe que é preciso dar algum tempo até que a
exploração do shale não represente, por si só, a destruição da água limpa que
está por baixo do solo. Há uma coisa que não te entrará na cabeça, eu sei: a água
é mais importante que a energia. A energia tem alternativas. A água não.
A tua famosa frase "A Europa tem regras
ambientalistas muito fundamentalistas que prejudicam a nossa indústria e
prejudicam o nosso emprego" teve, aliás, uma rara resposta certa da tua
colega Assunção Cristas quando lembrou no Parlamento que "não devemos ter
a ambição de sermos iguais a outras geografias que, nessa matéria, estão atrás
de nós". Claro, Álvaro, a Europa e o ambiente... Para quem está no Canadá
a União Europeia é exatamente o quê?
E agora essa ideia da Trafaria? Um 'novo'
porto (privado e estrangeiro) em Lisboa que obriga a redesenhar uma via férrea
nova e também, evidentemente, desembocará na necessidade de se fazer a nova
travessia sobre o Tejo. Curioso: não era o teu ministério que pretendia criar
uma linha de mercadorias, urgente, para o Porto de Sines? E afinal vai-se
construir um porto de águas profundas quase ao lado, ou seja, em Lisboa?... Mas
isto bate certo com o ar do tempo. Também se entregou a ANA a um consórcio que
acenou com dinheiro, hoje, e ficou com um monopólio que nos há de custar os
olhos da cara durante décadas.
Álvaro, só um pedido mais: quando regressares
a Vancouver, passa pela viaduto da zona do porto, ali mesmo, junto à baía
(Waterfront) e espreita os comboios de mercadorias de centenas de metros de
extensão, com dois contentores (um em cima do outro) em cada vagão. Esses
comboios andam em cima de linhas onde também circulam comboios de passageiros,
certo? Mas em Portugal, segundo o teu secretário de Estado dos Transportes,
isso é impossível... Depois passa os olhos pelos planos do Obama de ir
substituindo o transporte de avião pelos comboios mais rápidos (não precisam de
ser 'ferraris'). Repararás então que ambas as coisas são possíveis, lá está,
sem demagogia. Entretanto fala com os teus colegas sobre essa coisa nova, a
Economia do Ambiente. E talvez, para a próxima, voltes ao Governo, mas com um
pouco mais de mundo.
Daniel Deusdado, no JN
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