A eleição autárquica que aí vem não é igual às
anteriores: o jogo será realizado em condições muito específicas, bem capazes
de alterarem resultados que, à partida, estariam decididos mesmo antes de a contenda
começar. Basta olhar para os sinais que todos os dias chegam do inquieto povo.
Sendo verdade que ao mínimo sinal de crise e
dificuldade há quem clame por um Salazar que ponha "isto" na ordem,
não é menos certo que cresce todos os dias o número dos que, na mesma linha de
pensamento, desejam um governo de não políticos, ou mesmo um governo que
escorrace os políticos. A tendência é para o fenómeno crescer, na exata medida
em que há uma correlação evidente entre a dimensão da crise e a dimensão destes
(perigosos) fenómenos.
O que tem isto a ver com as eleições
autárquicas? A consequência disto é o voto de protesto, justamente contra a
política, os políticos que estão e os que estão para chegar. Nas freguesias
urbanas das pequenas, médias e, sobretudo, grandes cidades ele far-se-á sentir
com especial vigor, prejudicando mais os candidatos mais próximos de quem
manda: a coligação PSD/PP.
Há mais duas consequências indesejáveis, mas
expectáveis, que os tempos de crise aguda provocarão nas autárquicas.
Primeira: muito provavelmente, a abstenção
elevar-se-á para níveis que ajudam ao raciocínio dos que desejam o regresso de
um Salazar.
Segunda: estas eleições tenderão a agudizar a
divisão entre autarcas que teriam tudo a ganhar se conseguissem lutar
democraticamente pelo posto que desejam, mas mantendo-se unidos nas questões
que são estruturais para os seus concelhos, para os seus distritos e para as
suas regiões. E a agudizar porquê? Justamente porque o caráter excecional deste
ato eleitoral conduzirá ao extremar de posições. Ora, posições extremadas são o
oposto de soluções consensualizadas.
Sucede que nunca como agora os autarcas
precisaram - e precisarão - de estar tão unidos. A política de confronto
desenhada nos gabinetes de Miguel Relvas e de Vítor Gaspar, num certo conluio
com o gabinete de Assunção Cristas, aconselham o estudo dos dossiês e a
preparação de respostas firmes.
No Alto Minho já se percebeu o alcance da
coisa: à trapalhada da junção de freguesias feita a regra e esquadro junta-se o
esvaziamento político das comunidades intermunicipais e a tentativa de gestão
centralizada de fundos comunitários, apenas para citar três exemplos do que
está em causa.
Hão de dizer-nos que a discussão destes e
doutros temas acontece num ano de eleições porque calhou. Acreditará quem
quiser. Na política não costuma haver coincidências assim tão certeiras. E lá
diz o provérbio: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro
ou não tem arte. Ora, quem está, neste caso, a repartir é o Governo. Um perigo,
um perigo...
Paulo Ferreira, no JN
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