A primeira vez que estive com Vítor Gaspar foi dias antes de ele
apresentar o seu primeiro Orçamento do Estado completo, o de 2012. A reunião, fechada,
não uma conferência de imprensa, durou 45 minutos sem grande história quase até
ao fim, já que os factos eram aqueles: Portugal tinha sido chutado dos mercados
de dívida e forçado a recorrer à disciplina externa. Sabia-se que o ano que
vinha aí seria mau, mas a convicção geral, fundada em nada a não ser na mais
pura ignorância, era de que íamos corrigir os erros, começar a desalavancar
(palavra maldita, ela e o seu contrário) e em três anos estaríamos de pé.
O que fazer na economia já em 2012 para acelerar esse metabolismo
era a pergunta central, mas Gaspar não avançou nada naquele encontro. Não
adiantou uma medida que fosse do Orçamento. Limitou-se a descrever "os
buracos colossais" e, quase no fim, perguntou o que achávamos do que aí
vinha. Espantou-me o convite descarado para uma espécie de sessão de male
bonding sem imperiais e futebol, em que Sócrates seria o bombo da festa e o Governo,
ainda engomado, a governanta, a precetora que nos iria corrigir.
Perguntar a jornalistas o que acham é como oferecer margaridas a
um enxame de abelhas. Baixei a cabeça como os alunos cábulas e esperei que
outros avançassem. Porque o fiz? Por desconfiança. Tudo aquilo me pareceu
incómodo. Gaspar não dissera nada sobre o Orçamento para 2012, por que raio
queria vincular-nos ao nada? Os outros seguiram em frente, passaram um cheque
em branco ao ministro que veio do frio. Pediram rigor, exigiram dureza, mesmo
sem saber do que estavam a falar. Ajoelharam-se no altar da austeridade e
pediram outra reguada.
E Gaspar deu-a - iria dar de qualquer maneira. Foi além da troika
e do que seria imaginável fazer. Foi brutal, imprudente, arrogante. Há ainda
quem o confunda com coragem. Assumiu todas as dívidas, mesmo as que estavam
fora do perímetro do Estado e não tinham a garantia da República (esta conta
surda está por fazer, embora a ser paga). No fim, antes de desertar para o
bunker do Banco de Portugal, deixou o desemprego em 18% e o resto do País
armadilhado e atado. Levaremos anos a sair deste nó cego que ele deu sobre o
outro que Sócrates deixou. Quem chega ao mercado de trabalho com níveis de
desemprego assim está condenado a uma década de penúria e desvantagem. O atraso
e o medo colam-se à pele.
Hoje a economia dá alguns sinais de vida, suspiros de tísico, mas
o pulso é fraquinho. Chegados aqui, quando é cada vez mais difícil pôr o
espetáculo na rua - trabalhar, vender, produzir, escrever, acreditar -,
lembro-me de um soneto de António Nobre: "Amigos/ Que desgraça nascer em
Portugal." Logo eu que faço parte da geração que acreditou no contrário.
Quanto nos custará esta desilusão? Estará dentro do budget?
por ANDRÉ
MACEDO, no DN
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