Um conjunto de notáveis do Porto entendeu, nos
últimos dias, dar a cara pela causa da reabilitação urbana na cidade.
"Grito de revolta no Porto", titulava o JN de ontem. Um sinal
positivo que, contudo, não esconde a timidez do protagonismo do Norte e da
liderança do Porto.
Esta tomada de posição coletiva, liderada por
Rui Rio, merece-me uma análise a partir de três ângulos: a questão de fundo,
isto é, a problemática da reabilitação urbana propriamente dita; a visão e o
comportamento do Estado, leia-se do Governo português; e, por fim, o
significado desta demonstração de músculo a partir do Porto.
Começando pela reabilitação, importa dizer
muito claramente que não há inocentes no estado de degradação a que chegaram
alguns dos centros urbanos das nossas cidades, sobretudo no Porto e em Lisboa.
Na máquina imobiliária que se apoderou do país a partir de 1976, a aposta
esteve sempre na construção nova pela simples razão de que gerava mais-valias
incomparavelmente mais interessantes no curto prazo. Envolvia negócios de
terrenos, que seriam objeto de (re)classificação em sede de planos diretores e
de urbanização, operações e taxas de urbanização, construção massificada e,
finalmente, a transação através de empréstimos bancários com os respetivos
impostos. Todos os agentes, incluindo câmaras municipais, Estado, indústria da
construção e Banca, ganharam numa lógica imediatista, ignorando ostensivamente
o património construído. Entretanto, as reformas necessárias, como a da lei das
rendas, nunca foram feitas em tempo útil.
A criação da Sociedade de Reabilitação Urbana
(SRU) Porto Vivo foi pioneira na tentativa de alterar esta situação numa cidade
cujo Centro Histórico estava (está!) extremamente desqualificado. O modelo foi
mesmo inspirador na definição do quadro legal enquadrador de outras iniciativas
e pode dizer-se que, sem a extensão que todos desejaríamos, os resultados
visíveis são encorajadores. Para um Porto que se afirma internacionalmente como
destino turístico e que quer fazer caminho como destino de negócios, a
continuação do esforço de reabilitação é crítica para o sucesso.
O papel do Estado neste processo é para mim
paradoxal. A SRU é participada pela C. M. do Porto e pelo Instituto da
Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), com este a deter uma posição
maioritária de 60%. Sempre vi esta presença do Estado como o assumir de
responsabilidades numa matéria importante e mal tratada no passado. Para
surpresa de todos, o IHRU passou nos últimos anos a adotar uma estratégia de
asfixia da SRU, não transferindo a sua quota-parte dos défices de exploração.
Falamos de 2,4 milhões de euros. Um valor que é importante para a subsistência
da SRU, mas que para a reabilitação do Porto é uma migalha sem qualquer
significado. Ou seja, o valor desta participação é sobretudo simbólico,
representando uma poderosa mensagem para a sociedade, em especial para os
privados, os quais contribuem com nove em cada dez euros investidos na
requalificação urbana. Uma vez mais, o Governo da República deixa claro que
despesa é despesa e que a "narrativa" do investimento reprodutível
não tem lugar no seu conceito de crescimento nem, certamente, merece uma célula
na folha de cálculo da austeridade.
Olhemos agora para o grito do Porto. É
positivo. É muito positivo. Mas é preciso ir para além da questão da SRU. O
Porto e o Norte não têm demonstrado capacidade de liderança e não deixa de ser
sintomático o timing para este avanço: fim de mandato de Rui Rio e eleições
autárquicas à porta.
Não terão existido, no último par de anos,
questões relevantes e lesivas do Porto e do Norte que teriam merecido um ranger
de dentes coletivo como este? Todos nos recordamos dos dossiers da ANA, da
RTP-Porto, do Porto de Leixões, da Casa da Música, do túnel do Marão, do
comboio Porto-Vigo, dos voos para Bragança e Vila Real, apenas para referir
alguns.
A resposta poderá estar na complexa geometria
de forças que se está a desenhar em véspera de eleições para a liderança do
Município do Porto. É seguramente assunto que fará correr muita tinta nos
próximos meses.
José Mendes, no JN
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