Fórum das Regiões: Não se percebe a motivação da petição pública que andou pelas redes sociais, visando impedir o aparecimento de Sócrates na RTP. Teria todo o sentido, se esta se reportasse a todos os governantes que por aí dão lições. Veremos se um dia destes o ex. primeiro ministro Passos Coelho, ou o ex. ministro Gaspar, etc, não virão ao canal público fazer o mesmo papel.
O povo português dispõe de uma característica
única: governantes e governados adoram o entretenimento recíproco. Há
problemas? Basta um prato de lentilhas e os acordes de uma canção do bandido, em
voz professoral desmemoriada, para trocar o essencial pelo acessório, esvaziar
angústias e alijar responsabilidades.
Uns atrás dos outros, somam-se os casos da
superficialidade e da retórica fácil. Adorável.
O carrossel mediático dos profissionais da política
e da economia é tipificador. Não há santo dia sem homilias
"catedráticas" sobre o estado do país protagonizadas por quem foi
incapaz de inverter o curso errático de Portugal nas últimas décadas. São às
catadupas os pavões sábios do entretenimento.
Descanse o leitor, a ordem é arbitrária. Mas
de Mário Soares a Jorge Sampaio, de Eduardo Catroga a Bagão Félix, de António
Vitorino a Carlos Carvalhas, de Marcelo Rebelo de Sousa a Silva Lopes, de
Marques Mendes a Francisco Louçã, de Augusto Santos Silva a Manuela Ferreira
Leite, de Pedro Santana Lopes a Medeiros Ferreira, de, de, a... não faltam os
retratistas-projetistas do que é o país e do que deveria ser. E a estes muitos
outros se seguirão. É garantido.
Um dia chegará a vez de Passos Coelho, Vítor
Gaspar ou Paulo Portas disporem de um tempo de antena para dar lições de
governança.
Para já, nas últimas horas, ficou a saber-se
de um novo dissertador para os serões dos portugueses: José Sócrates fará
opinião através da RTP - afinal, o canal que todos pagamos em impostos e na
taxação pela fatura da eletricidade! Eis um golpe de asa banal dos
programadores: permitir ao ex-primeiro-ministro que nos dê lições, no habitual
jogo politiqueiro nacional de passa-culpas, de como deve o país safar-se dos
credores e entrar na via do desenvolvimento. Sócrates será apenas o mais
recente cérebro nacional a explicar como somos vítimas de uma cabala montada
não agora, não há dez ou vinte anos, não por Marcelo Caetano ou Salazar, mas
sim por D. Afonso Henriques. Iluminar-se-á em cada um de nós a pachorra
bastante para debater à mesa do café a incompetência daqueles que ensaiaram
cânticos de sereia e acabaram legitimados pelo voto. E nem que seja por essa
vantagem, a de nos entretermos com novo figurante, pois que Sócrates seja bem-vindo!
Assim como assim, para que deve o país abrir
espaço à discussão sobre o modo teso como os deputados do Chipre não foram
capachos e mandaram dar uma volta os eurocratas que lhe queriam impor o
confisco em nome de um alegado resgate? Para quê analisar a postura do chefe da
Igreja Ortodoxa no Chipre, ao disponibilizar, inclusive, as terras de que é
proprietária para evitar a falência do país e manter a dignidade de um povo
responsável por 0,2% do PIB da Zona Euro?
O Chipre e a crise europeia não interessam
nada. Mesmo a minudência geoestratégica da Rússia poder ficar dona e senhora de
novas jazidas de gás e um destes dias fechar a torneira energética a quem na
Europa por si não alinhe.
Bem vistas as coisas, é mais excitante o
entretenimento em torno de Sócrates e outros figurantes do mesmo jaez.
O garrote da dívida ficará para outros
pagarem. De outras gerações.
Fonte: Jornal I
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