Segundo a Reuters, Angela Merkel disse aos
deputados alemães que pretende que o Chipre fique na Zona Euro, mas que a
pequena ilha mediterrânica "tem de perceber que o seu atual modelo
económico está morto". Mas, a chanceler ou não percebeu ainda ou não quer
reconhecer que é o modelo económico europeu que, de facto, já morreu.
É uma morte anunciada, é certo, mas é uma
morte estúpida e desnecessária. Desnecessária, porque a dimensão da economia
cipriota não justificaria medidas tão drásticas. Estúpida, porque essas medidas
drásticas, para além de injustificáveis, tiveram um efeito imediato, e
terrível, em toda a Zona Euro.
A deliberação dos ministros das Finanças da
Zona Euro surpreende até aqueles que, como eu, já não confiam no seu bom senso.
Destruíram, ou puseram seriamente em causa, o princípio da confiança nos
bancos, o que é um princípio universal, pelo menos nas economias de mercado. Um
princípio que, ainda para mais, serviu de justificação para que o sistema bancário
europeu tivesse sido recapitalizado, nos últimos anos, à custa dos
contribuintes. Quem não se lembra, por exemplo, do que nos tem sido dito, para
explicar o buraco negro do BPN que todos pagámos? Atentaram, também, ao
respeito pela propriedade privada, ao determinarem um confisco dos depósitos
bancários.
Além do mais, demonstraram que a solidariedade
europeia não existe, principalmente no caso dos pequenos países, como é o caso
de Chipre, cujo problema, pela sua dimensão absoluta, não justificaria uma
medida dessa natureza.
Estarão os alemães e os seus cúmplices à
espera de que os europeus guardem, agora, as suas poupanças debaixo do colchão?
Não compreenderão, sequer, as consequências que isso poderá acarretar para o
sacrossanto sistema bancário? Ou estarão interessados em que os depósitos dos
russos, ou dos angolanos, fujam de países como Chipre, e por que não dizê-lo
como Portugal ou Irlanda, e se concentrem nos bancos alemães?
É legítimo colocar esta questão, por oposição
ao absurdo da decisão. Uma decisão suportada, ainda para mais, num argumento
ridículo, relacionado com a eventual origem de uma parte significativa dos
depósitos no Chipre que terão, como titulares, interesses russos ligados ao
branqueamento de capitais.
Pois, é verdade que Chipre era, até há dias,
um paraíso fiscal. É verdade que o modelo não era sustentável. Mas, ainda
assim, é bom recordar que esse paraíso fiscal foi construído, em larga medida,
para servir interesses alemães. Nos anos 90 do século passado, a gestão das
tripulações e a gestão técnica dos navios de armadores alemães concentraram-se
nessa ilha, exatamente para baixar os seus custos através da fuga aos impostos
e do recrutamento de tripulantes de países do Terceiro Mundo, com salários de
escravos. Em 2009, estavam registados no Chipre 1016 navios, que equivaliam a
2,6% da frota mundial. Em 2011, havia já 1867 navios registados no porto de
Limassol. Muitos deles eram, de facto, controlados por empresas anónimas,
controladas por armadores alemães e financiadas por bancos desse país. Chipre é
líder mundial na gestão de tripulações, o que representa cerca de 7% do seu
PIB.
Ou seja, não foram apenas os barões das máfias
russas quem beneficiou do regime cipriota. Seria interessante perguntar à
Senhora Merkel se, em vez de confiscar uma percentagem dos depósitos de
cipriotas e dos russos, não seria, porventura, mais razoável sugerir ao Governo
cipriota que aplicasse, às empresas de gestão de tripulações, uma taxa social
única equivalente à que é paga, por exemplo, pelos armadores portugueses.
Infelizmente, a Europa não pode fazer essa
pergunta, pela simples razão de que não existe. O desamor dos europeus
relativamente aos seus políticos, o seu desapego pelo princípio da
solidariedade não prenunciam nada de bom. Tal como o dinheiro debaixo do
colchão que, ou muito me engano, ou não será em notas de euro.
Rui Moreira, no JN
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