A recomposição do sistema político português
segue em passo acelerado. É há muito evidente o divórcio entre eleitos e
eleitores, como é há muito evidente que está esgotado o modelo assente em partidos
tradicionais com crescente tendência para se fecharem sobre si mesmos, modo de
segurar (e assegurar) a distribuição de uma camada de poder cada vez mais fina.
Creio que as gravíssimas consequências sociais
e económicas resultantes deste tempo de agonia em que vivemos tenderão a pôr
ainda mais depressa em xeque o atual modelo. A participação e a representação
democráticas não serão mais tributárias desta espécie de rodízio parlamentar
que nos é oferecido: mudam as caras, mas, para problemas imensamente diferentes
e mais complicados do que aqueles que se nos colocavam há meia dúzia de anos,
as respostas continuam as mesmas.
Este caldo é perigoso e estimulante. Perigoso,
porque pode gerar populismos da pior espécie, protagonizados por gente de verve
dura e cabeça mole. Estimulante, porque nos obriga a olhar com redobrado
cuidado para o que está e a pensar com triplicado cuidado no que queremos que
venha a estar.
Serão as eleições autárquicas, pelo contexto
muito específico em que se realizam, uma espécie de primeira amostra deste
movimento?
Tomemos o exemplo do Porto.
Rui Moreira apresentou ontem a sua candidatura
à Câmara. É um desejo de longa data só agora concretizado. E porquê só agora?
Resposta (demasiado) fácil: porque o
presidente da Associação Comercial do Porto (ACP) detesta Luís Filipe Menezes e
fará tudo, mancomunado com Rui Rio, para estragar a festa do ex-líder do PSD.
Fraco argumento. Por que razão sairia Moreira da sua zona de conforto para se
dedicar a esta esgrima, sabendo que pode ser ferido de morte, caso perca por
muitos?
Resposta (julgo) mais adequada: porque o
presidente da ACP percebeu, justamente, que a mudança em curso lhe facilita o
objetivo. O voto de protesto contra o Governo que, sobretudo nas zonas mais
urbanas da cidade, afetará Menezes pode cair para o seu lado, mais do que para
o lado de Manuel Pizarro, candidato do PS. O voto dos que elegeram Rio contra
Fernando Gomes pode cair para o seu lado, na medida em que, em certo sentido,
Rui Moreira aparece como o homem que não pertence ao "sistema" (tal
como Rio há 12 anos), coisa que não acontece com Pizarro. O voto dos que
procuram novos protagonistas para novos problemas pode cair para o seu lado,
uma vez que Menezes e Pizarro são candidatos com a carga política e ideológica
que está, todos os dias, a ser questionada.
Sim: a fulanização é decisiva nestes atos
eleitorais. Sim: Menezes é um temível "chalenger". Sim: convém não
esquecer a determinação de Pizarro. Mas também convém não esquecer que, mais
cedo do que tarde, a recomposição em curso do sistema partidário começará a
ver--se, com flagrante nitidez, nas urnas.
Paulo Ferreira, no JN
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