Afinal, quem tem medo do lobo mau? Vamos
esquecer o Capuchinho Vermelho ou os Três Porquinhos porque esta não é uma
história para crianças. É a história de um país bacoco que lida mal com o
carisma alheio, procurando justificar o desmoronamento político que se avizinha
com um passado já devidamente escrutinado. É, também, a história de um país
que, à falta de outros argumentos e entretenimento, avança com patéticas
petições públicas por tudo e por nada. A mais mediatizada dos últimos tempos é,
pasme-se, para impedir que um ex-primeiro-ministro seja contratado (e, ainda
por cima, probono) por uma televisão para um novo
espaço de comentário político. A aparição de José Sócrates deverá ser analisada
a dois níveis distintos, ainda que estas coisas estejam todas ligadas.
O primeiro é político. O insuspeito
social-democrata e, por sinal, comentador Marques Mendes acha que o regresso de
Sócrates pode ser "mortífero" para o Governo. É certo que o peso do
antigo primeiro-ministro vai transformar, ainda mais, a oposição de Seguro numa
brincadeira de meninos, mas Mendes tem razão quando afirma que será Passos o
verdadeiro alvo de Sócrates. O ex-líder socialista ferve em pouca água vezes de
mais para evitar ajustar contas de tudo o que dele foi dito pelos membros do
atual Governo. Nesta revisão do passado recente, Sócrates não deverá igualmente
deixar Cavaco Silva em sossego.
O segundo nível do regresso de José Sócrates é
jornalístico. Ao ir buscar para o ecrã o mais odiado - mas também amado - dos
ex-primeiros-ministros, a RTP protagonizou uma contratação surpreendente. E, de
uma só vez, atirou para segundo plano os políticos comentadores da
concorrência: Marcelo Rebelo de Sousa na TVI (e as suas mais do que previsíveis
análises com direito a réplicas na generalidade da imprensa); e Marques Mendes,
recentemente seduzido pelos encantos da SIC e que aos espectadores se apresenta
muito mais como a correia de transmissão de um qualquer 'garganta funda' da
esfera governativa do que como o comentador que quer ser.
Sócrates no ecrã vai eclipsar os seus pares e
garantir, sem grandes margens de erro, audiências à RTP.
Eram, portanto, previsíveis as reações à
ousadia da televisão pública. José Sócrates foi, para o bem e para o mal, o
mais carismático dos líderes portugueses dos últimos anos e esse é um
património que uma (breve) ida para Paris não apaga. O que não se esperaria é
que o seu eco transbordasse as fronteiras nacionais.
A sua contratação televisiva mereceu ontem
generosas referências na imprensa de Direita no país vizinho. O "La Vanguardia ", de
Barcelona, escreveu que "em Espanha ninguém poderia imaginar que no canal
1 da TVE, logo após o Telejornal, aparecesse José Luis Zapatero [ex-chefe do
Governo socialista] para comentar a atualidade política semanal". O
"El Mundo", de Madrid, refere a multiplicação de petições online
contra e a favor da passagem de Sócrates "de primeiro-ministro a tertuliano" televisivo,
referindo ainda as suas responsabilidades na crise iniciada em 2008, mas sem
admitir que, se Sócrates cá tivesse continuado, haveria sempre a hipótese de,
tal como em Espanha, estarmos sem resgate e hipotecados à troika.
Por tudo isto, a diabolização do regresso de
Sócrates era inevitável. Essa fatalidade não pode é servir para atirar alguém
para uma lista negra onde aos proscritos está vedado o regresso à vida pública.
Alfredo Leite, no JN
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