Há um drama na classe política portuguesa. Tem a habilidade única de ver as particularidades da realidade destruírem as teorias que esperava construir. José Sócrates quis criar em Portugal um Estado tecnocrático e insípido, gerido por uma pequena elite de iluminados. O resultado é um "Blade Runner" terceiro-mundista sintetizado numa canção dos Deolinda. A sua teoria de defesa do Estado social tem sido, na prática, vergastada pelo próprio Governo. Este Governo não tenta reformar o Estado social: quer dissolvê-lo. Já não vive em ficção: sobrevive na própria ficção. Pode alguém ser quem não é? Pode, e Sócrates prova-o. Destrói a realidade para criar uma ilusão. Sócrates criou uma realidade paralela: enquanto destrói o Estado social, imagina-se um pequeno Keynes contra os liberais. Neste jogo de sombras, Sócrates e Passos Coelho representam. José Sócrates pode aparecer como defensor do Estado social porque Passos Coelho apresenta, de vez em quando, uma série de propostas sem nexo que permitem ao primeiro-ministro surgir como um defensor de planos quinquenais. Algumas das que foi apresentando ao longo dos tempos, sem uma lógica consistente (a privatização da CGD, a proposta de revisão constitucional, o fecho de empresas públicas), fizeram com que, criando o Estado mínimo, Sócrates surja como o defensor do Estado máximo. A política portuguesa tornou-se uma ilusão de óptica, um baile de máscaras sem ideologia. José Sócrates, com o auxílio de Passos Coelho, consegue parecer sem ser. Shakespeare criou Macbeth. Gostaria de ter criado Sócrates.
08 Fevereiro2011 Fernando Sobral
Este analista do Jornal de Negócios, de vez em quando, acerta em cheio. Parece-me uma boa análise da situação actual do estado social e como os líderes do PS e PSD o abordam.
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