O comunicado saído do último Conselho de
Ministros (CM) ficará para os anais da História recente da democracia
portuguesa. A linguagem utilizada no documento é, porventura, o melhor exemplo
de como o Governo (ou, pelo menos, quem, em nome dele, redige as conclusões
saídas daqueles encontros) perdeu a capacidade que lhe resta - se é que restava
alguma - para tratar os cidadãos como pessoas. Vejamos.
Obrigado pelo Tribunal Constitucional, essa
força de bloqueio, a rever "o regime jurídico da requalificação de
trabalhadores em funções públicas", o Governo decidiu, passo a citar:
"acrescentar um motivo à racionalização de efetivos, identificando-o e
caracterizando-o - desequilíbrio económico-financeiro estrutural e permanente
do órgão ou serviço - e apresentando critérios para a sua verificação - de que
os seus efetivos se encontram desa-justados face às atividades que prossegue e
aos recursos financeiros que estruturalmente lhe possam ser afetos".
É provável, caro leitor, que este linguajar
lhe seja estranho. Mas, basicamente, o que o Governo pretende é: racionalizar
os efetivos requalificando-os. Tradução para português mais ou menos corrente:
despedem-se os alegados excedentários ou, em alternativa, colocam-se numa bolsa
com salários de miséria. Aos que passarem o crivo do despedimento aplica-se uma
dose de requalificação. Com isto, o Governo lava as mãos e acerta as contas no
Excel. É bastante provável que, para que as contas batam finalmente certo, seja
necessário repetir o exercício de requalificação, novamente racionalizando os
efetivos, ou seja, despedindo ainda mais.
Por estes dias tive a sorte de aprender o real
significado da palavra requalificar. Na escola do meu filho, são os professores
que, à vez, terão de tomar conta dos meninos no recreio. Porquê? Porque faltam
auxiliares. Aliás, este processo de contínua indignidade arranca sempre assim:
os primeiros a sentir na pele o efeito da racionalização são os elos mais
frágeis da cadeia, os que menos ganham, os que mais dificuldades terão para
sobreviver. Mais: os professores passam a ter apenas meia hora por semana para
atender os encarregados de educação de turmas com 28 e mais alunos. Porquê?
Porque estão no limite do horário.
O exemplo pode parecer caricatural. Mas não é.
Por esse país fora, repetir-se-ão, com toda a certeza, casos iguais ou bem
piores do que este.
Tudo resulta de um equívoco inicial: teria
sido melhor o Governo dizer aos portugueses, olhos nos olhos, que isto só lá
vai se todos perdermos 20% ou 30% dos nossos rendimentos e regalias. Nada é
pior do que arrastar na lama a dignidade das pessoas com conversas como a do
comunicado do CM. É isso que está a acontecer.
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