Há momentos em que a realidade supera a pior das expectativas.
Esta crise política, que vai inevitavelmente conduzir à queda do Governo nos
próximos dias, é um desses lamentáveis momentos.
Em menos de 24 horas, desertaram os dois ministros de Estado. Foi
nomeada para a pasta das Finanças uma pessoa que está no centro de uma polémica
discussão pública e parlamentar e que tomou posse num ambiente digno de um
funeral. O líder do CDS ensaiou uma saída de cena que não contemplava a
obrigação de explicar qual a posição futura do seu partido na coligação. E, a
cereja em cima do bolo, o primeiro-ministro prosseguiu esta peça teatral de
baixo nível fazendo um discurso caricato em que se nega a aceitar a realidade -
e por isso não pediu até ao Presidente da República a exoneração de Paulo
Portas (que foi apresentada como "irrevogável" em carta pública).
Estamos perante um dos mais caricatos episódios da política
portuguesa desde que a Democracia se instalou em Portugal, em 1974. Absolutamente
patético!
É óbvio que esta crise vai acabar em eleições a muito curto prazo.
Passos Coelho, que hoje vai a Berlim à espera que seja o CDS a
explicitar o fim do Governo, está apenas a jogar com Paulo Portas uma incrível
partida de xadrez que desmente o sentido de responsabilidade tantas vezes
reclamado pelo Governo. Ambos querem empurrar para o outro o ónus de terem
frustrado as expectativas do País. Apenas isso. Lamentavelmente, só isso. E,
entretanto, os mercados vão fazendo as leituras devidas.
Passos Coelho e Paulo Portas podem querer continuar a reclamar
terem ganho a batalha da credibilidade externa do País. Mas aprestam-se para
deixarem os juros da dívida pública nacional de novo bem acima dos 7%,
acompanhada de um exército de desempregados, um défice ainda descontrolado, um
endividamento crescente, uma espiral recessiva instalada, centrais sindicais na
rua e confederações patronais unidas na recusa deste caminho para a economia.
Esta é a realidade - e ela desmente o discurso do primeiro-ministro,
que tem da ação do seu Governo uma perspetiva delirante.
É obvio que esta crise é má para Portugal. Mas sendo Passos Coelho
e Paulo Portas os únicos responsáveis pelo que se está a passar, um elementar
sentido mínimo de bom senso deve aconselhá-los a saírem de cena muito
rapidamente. Se lhes faltar isso, resta esperar que Cavaco Silva saiba sair do
estado de hipnotismo em que entrou e acabar com a palhaçada. O pós-troika,
agora, vai ter de esperar. E o País precisa de saber se tem ou não Presidente da
República.
JOÃO
MARCELINO, no DN
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