Por muito que o proclame no Parlamento - e a
TSF o explore para autopromoção -, Pedro Passos Coelho pode namorar apenas com
a mulher, mas é com Paulo Portas que tem o mais truculento dos arrufos. Relevando
a importância política dos intervenientes, o caso daria excelente mote para o
enredo imaginado por qualquer guionista de telenovela mexicana. De terceira
categoria, tal é o nível da atual política nacional.
A cena dos capítulos anteriores resume-se rápido:
Vítor Gaspar abandonou o Governo e divulgou uma carta que arrasa o
primeiro-ministro, pondo a nu as políticas seguidas até agora. Portas, que
nunca morreu de amores pelo ministro das Finanças, viu na sua saída uma
hipótese de inverter o caminho de austeridade seguido com punho de ferro pelo
implacável Gaspar. Só que Passos Coelho traiu o parceiro de coligação e nomeou
Maria Luís Albuquerque, ex-ajudante do todo-poderoso Gaspar para o lugar
deixado vago pelo professor. E, dessa forma, tentou perpetuar a política
austera que o populista Portas tantas vezes engoliu em seco. Com uma mulher
desavinda pelo meio, Portas demitiu--se. Posição "irrevogável",
disse-o em comunicado violento, tão típico das relações complexas.
"Irrevogável" pelo menos até anteontem, altura em que, com
surpreendente cara de virgem ofendida, o primeiro-ministro apareceu solene na
TV, dizendo que não aceitava a saída de Portas e que se ausentava para Berlim
em defesa dos magnos interesses do país.
Enquanto Passos e Portas se digladiavam, ora
com balas ora com flores, atirando para o outro a responsabilidade da crise,
bastava ler a carta de demissão de Vítor Gaspar para perceber que a agonia
durava há muito e que o desmoronamento do país político não acontecia por
acaso. Entretanto, o país económico somava prejuízos: a Bolsa nacional registou
as mais fortes perdas desde abril de 2010, os juros da dívida pública
regressaram aos perigosos valores do final do ano passado, a Moody's vaticinou
dificuldades no regresso aos mercados e vários especialistas já falam da
inevitabilidade de um segundo resgate. Mas foi esta desunião de facto de Pedro
e Paulo que nos trouxe até aqui? Naturalmente que não.
Ambos protagonizam há muito um casamento de
conveniência sem amor e, sobretudo, sem perspetivas de futuro. Se pudesse ser
televisionada, a tentativa de reconciliação que se realizou ontem à noite
(Paulo e Portas reuniam para evitar a rutura da coligação e, consequentemente,
a queda do Executivo) daria uma cena inesquecível de amor e traição, daquelas rodadas
em Acapulco. É que, por muito que tentem a reanimação, este é um Governo morto.
Internamente ninguém acredita nesta trupe de trapezistas e contorcionistas que
nos entedia em degradantes espetáculos. Externamente, perdemos capacidade
política para negociar o que quer que seja. Todos sabíamos que chegaríamos
aqui. Nem todos imaginavam era que fosse tão depressa. É por isso que, à falta
do guionista mexicano, é imperiosa a intervenção do presidente da República.
Até porque se Cavaco Silva dizia há tempos que não podemos juntar uma crise
política a uma crise económica tem agora todos os condimentos para finalizar
esta novela.
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