Passos Coelho explicava anteontem em Berlim,
com inconcebível candura, que não se demite do cargo porque os portugueses
"querem ver o filme até ao fim". Viajou até Berlim para assistir a
uma conferência sobre o desemprego jovem na Europa, e ali descreveu à imprensa
internacional o desconchavo das intrigas e cobardias que minaram o seu Governo
e destruíram a maioria parlamentar que o suportava, declarando com displicência
que "meras preferências quanto a nomes para pastas do Governo" não
eram motivo suficiente para que se demitisse! Na véspera, Cavaco Silva
prosseguia a cerimónia de posse dos novos governantes já depois de conhecer o
pedido de demissão do ministro promovido a número dois desse mesmo Governo, mas
cuja exoneração Coelho preferiu não lhe solicitar. A farsa continua. Vítor
Gaspar demitiu-se da pasta das finanças publicando uma carta que arrasa o
Governo e assume os fracassos da sua política... o que todavia não impediu
Cavaco e Passos de lhe testemunharem os mais ternos afetos e penhorada
gratidão, na hora da despedida!
Este espetáculo inimaginável que expõe
cruamente a generalizada degradação das instituições soberanas da República vai
continuar por mais algum tempo.
Dois anos antes, com o intuito de vencer a
"obstinação" do Governo minoritário do Partido Socialista que teimava
em recusar a apresentação do pedido de resgate financeiro, foi dissolvida a
Assembleia da República e foram convocadas eleições legislativas antecipadas,
numa atmosfera de inusitada unanimidade. Um Governo já demissionário, com meros
poderes de gestão, viu-se então obrigado a negociar um programa de emergência
com o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
O Governo seguinte faria do "memorando de
entendimento" o seu único programa de governo e decidiu à cabeça duplicar
as medidas de austeridade nele previstas.
Dois anos depois, com terríveis custos
económicos, sociais, políticos e financeiros, demonstrava-se cabalmente o
fracasso do tão almejado programa de resgate, uma derrota aliás confessada, por
escrito, pelo seu principal executor - o ex-ministro das Finanças. Contudo,
paradoxalmente, é pelo mesmo caminho que querem prosseguir e é em seu nome que
rejeitam a antecipação de eleições legislativas - único meio viável para a
recuperação da autoridade e da legitimidade democráticas que os atuais
governantes desbarataram com extraordinária leviandade em tão curto tempo.
Já não há Governo, nem coligação, nem maioria
parlamentar. Por seu turno, a Presidência deu o último sinal de vida em março
de 2011, quando o seu titular acusou o anterior primeiro-ministro de
deslealdade institucional, precipitando uma crise política.
A farsa continua porque todos tentam evitar o
reconhecimento das responsabilidades próprias e nenhum se atreve a desligar o
moribundo da máquina, sem obter prévia autorização da troika - a única
soberania que de facto reconhecem. Promovem o medo e invocam a
"estabilidade", alegam que dentro de 15 dias começa a oitava missão
de avaliação, que a reforma do Estado e o Orçamento para 2014 ficariam
comprometidos, que um segundo resgate se tornaria inevitável...
Evitar um segundo resgate é com efeito um
imperativo incontornável pelo qual respondem estes governantes. Mas se um
Governo minoritário com meros poderes de gestão foi outrora considerado
competente para negociar o atual "memorando de entendimento", apesar
de demissionário, porque não poderia este Executivo cumprir agora tudo o que
lhe resta cumprir para satisfazer a oitava avaliação? Será legítimo acorrentar o
país por mais um ano ao Orçamento do Estado de uma maioria
"contrafeita" e de um Governo de farsa? Por tudo isso, parece da
maior prudência dissolver a Assembleia da República e convocar eleições
legislativas, imediatamente!
Pedro Bacelar Vasconcelos, no JN
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