O povo, na sua infinita e comprovada
sabedoria, costuma colocar na gaveta dos provérbios as adversidades que, de
forma mais ou menos contínua, vão atrapalhando a vida dos indígenas. A fórmula
alcançada é curiosa: quando dizemos "elas não matam, mas moem",
estamos, simultaneamente, a carregar no peso das contrariedades e a garantir
que, ainda assim, na medida em que elas não "matam", há caminho a
fazer para ultrapassar os desgostos e os entraves. Tomemos dois exemplos da
atualidade para entender melhor a acuidade do provérbio.
O candidato do PSD à Câmara do Porto ficou a
saber, na passada sexta-feira, que o Tribunal Constitucional (TC) não aceitou o
recurso que visava retirar legitimidade ao Movimento Revolução Branca para
travar a candidatura do autarca de Gaia ao município portuense. Como o TC
decidiu "não tomar conhecimento" da ação interposta por Luís Filipe
Menezes, mantém-se, para já, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância: não pode
ser candidato, por ter feito três mandatos em Gaia.
Bem vistas as coisas, continua tudo como
estava, depois deste incidente meramente processual. A decisão final e
irrevogável há de conhecer-se um dia destes, quando o TC decidir pronunciar-se
sobre a matéria principal: pode, ou não, Menezes candidatar-se ao Porto? Mas,
lá está, este incidente processual trouxe novamente à tona o tema que,
porventura, mais desgaste político tem provocado na candidatura do autarca de
Gaia. E isso é bem visível no tom de crispação cada vez mais agudo usado por
Menezes para responder às perguntas que lhe são colocadas sobre a matéria.
Desta vez, Menezes chegou mesmo a sugerir, por
comparação com o que está a acontecer com Fernando Seara em Lisboa, que o
eventual chumbo do TC à sua candidatura será resultado de uma espécie de
estratégia concertada na capital contra o Norte. Ou, mais concretamente, contra
quem quer afirmar o Norte a partir do Porto. É um erro crasso reagir deste
modo. Menezes não pode atirar pedras contra fantasmas, porque os fantasmas não
existem (até prova em contrário). Menezes não pode soçobrar ao nervosismo
quando a calma e a paciência são o remédio. Menezes anda nisto há demasiado
tempo para saber que os pormenores contam. E numa campanha tão apertada como a
do Porto, contam mesmo muito. Elas não matam, mas moem.
Segundo exemplo. O PSD e o CDS aprovaram 8 das
10 medidas apresentadas no Parlamento pelo PS tendo em vista a criação de
emprego e a melhoria das depauperadas condições de vida das empresas. Na manhã
da votação, o Ministério das Finanças fez chegar aos deputados da maioria um
extenso argumentário contra cada uma das medidas em causa. Para nada. Eis uma
demonstração cabal da acentuada perda de poder político de Vítor Gaspar dentro
do Governo. Há uns meses, os deputados teriam lido e memorizado a cartilha das
Finanças sem pestanejar. Agora, em nome de um consenso pífio que procura
amenizar a evidente degradação das condições do exercício do poder pelo
Governo, a opinião de Gaspar foi simplesmente obliterada. É o mais forte sinal
de que o tempo do ministro está a chegar ao fim. Lá está: elas não matam, mas
moem.
Paulo Ferreira, no JN
Sem comentários:
Enviar um comentário