O desígnio do ajustamento das contas públicas
devia implicar a proibição dos telejornais às 20 horas. O Estado esbanja
milhões de euros a pedir estudos e pareceres sem rei nem roque a escritórios de
advogados e afins, mas nunca ninguém se lembrou de requisitar algo de muito
útil: a aferição dos prejuízos decorrentes das más notícias transmitidas quando
os portugueses se sentam à mesa para jantar.
A regra (e a técnica) instituída é perniciosa.
Governos, oposições, presidentes da República - até o Tribunal Constitucional,
como ainda recentemente se viu... - aproveitam a entrada do horário nobre para
anunciar ao povo decisões austeras para as suas vidas, ou desentendimentos
demagógicos. Umas e outros resultam em más digestões, neuroses, insónias,
enfim, são nocivas e implicam despesas de saúde ou perdas de produtividade.
Ora, de tão flagrantes consequências, é até difícil perceber como o ministro
das Finanças, Vítor Gaspar, ainda não equacionou uma solução drástica....
Sendo incontornável - até ver... - a nossa
condenação às más notícias à entrada dos telejornais, preparemo-nos todos para
mais uma sexta-feira aziaga, não obstante não ser dia 13.
Para as 20 horas de hoje, mais coisa menos
coisa, entre dois telepontos e uma bandeira nacional, está prevista mais uma
das tais comunicações ao país. Autor: o primeiro-ministro. Cuidado!...
Tudo aponta para que Passos Coelho anuncie ao
país um conjunto de decisões destinadas à continuidade do emagrecimento do Estado
- do défice, segundo uns, dos portugueses no geral, segundo outros. Nada de
animador, em qualquer caso.
Por onde vai passar, então, o aprofundamento
da política draconiana em curso?
Algumas das alíneas da continuidade da
austeridade já transpiraram - e o substancial do conhecido tem como alvo a
Função Pública.
A confirmar-se, o programa é apocalíptico para
os funcionários públicos e respetivas famílias, mas simultaneamente para a
economia nacional.
A sobrecarga de descontos para a ADSE,
passando dos 1,5 para os 2,25, a redução do período de férias, o aumento das
horas semanais de trabalho e, já agora, o corte numa série de suplementos
remuneratórios serão já de si geradores de angústias. Some-se-lhes as reduções
de verbas a atribuir durante o período em que muitos deles estarão no chamado
limbo da mobilidade e o panorama tornar-se-á negríssimo.
Não sendo nenhum dos atuais funcionários
públicos responsável pelo estatuto agora em processo de destruição, para todos
os efeitos a nocividade dos anúncios previstos será proporcional a um
nivelamento tendencial aos pressupostos do setor privado. É o chamado
aprofundamento da equiparação e equidade defendida pelo Tribunal Constitucional
entre os setores público e privado.
As análises à chaga do desemprego, até agora,
faziam-se segundo regiões, sexos, idades. Mas sempre no pressuposto exclusivo e
verdadeiro do mercado de trabalho dos privados. Mas, por este caminho, em nome
da igualdade, mais cedo do que tarde ter-se-á de acrescentar outra alínea: a de
ex-funcionários públicos.
Fernando Santos, no JN
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