Não
chateia. É simplesmente triste ver a canção de Zeca Afonso ser
"cantada" como a "cantou" Miguel Relvas. E não se trata de
analisar a monumental desafinadela do apaniguado ministro de Pedro Passos
Coelho, o primeiro-ministro que, em tempos, confessou que seria "mais
feliz se fosse cantor".
Uma confissão com que, provavelmente, a maioria
dos portugueses estaria hoje tentada a concordar. Até porque, no que toca aos
dotes vocais do ministro-adjunto, já quase tudo foi dito. E tudo o que se disse
foi 'fait divers'. Cantar fora de tom, como diria o próprio Relvas, "é a
vida". E quem não tem cavalo mas insiste em inscrever o jumento no
concurso de saltos de hipismo tem a vida que merece. Desafinada, aos solavancos
e sem entender o significado de um protesto que usa a canção-senha do 25 de
abril como arma.
Também não chateia observar o tom desafiador e
o sorriso de cavaleiro solitário com que Relvas encara as manifestações hostis
e a forma aparentemente corajosa com que enfrenta quem contra si se indigna. O
que chateia verdadeiramente é a arrogância calculista do ministro. Se assim não
fosse, Relvas não voltaria a meter-se na boca do lobo um dia depois dos
protestos de Gaia. Não é obra do acaso, é premeditação.
Ao aceitar comparecer na comemoração dos 20
anos da TVI, Miguel Relvas estava consciente dos riscos. E não se fala de
riscos físicos. Esses, a verificarem-se, assentariam que nem uma luva na busca
da vitimização, ao estilo kamikaze, que parece mover o braço direito de Passos
Coelho. Trata-se de avaliar os riscos políticos de aparições em noites que,
para o ministro, são iguais "a tantas outras". Mas não são.
Ontem, o todo-poderoso ministro da coligação
PSD/CDS apareceu no ISCTE exibindo o mesmo sorriso com que desafinou a
"Grândola Vila Morena", mas escoltado por um incomparavelmente maior
número de guarda-costas do que em
Vila Nova de Gaia, onde defendeu - pasme-se - que "a
melhor maneira de ter medo é ter coragem". Durante a récita na peculiar
sessão do Clube dos Pensadores, Miguel Relvas foi mais longe ao afirmar que
"a pior coisa que um governante pode fazer é amedrontar-se". Ao sair
ontem atribuladamente do ISCTE, em Lisboa, sem intervir e rodeado de
seguranças, Relvas revelou-se medroso, sem coragem e, desta vez, em direto na
TV, sem qualquer filtro. Pelo segundo dia consecutivo, vê-se vaiado em público,
impedido de exercer a sua atividade política.
Relvas experimenta agora nas ruas
aquilo que muitos portugueses, incluindo da classe política - até do seu
próprio partido - têm afirmado: o ministro dos Assuntos Parlamentares não tem
condições de exercer o cargo. Por muito que, desta vez, um diligente e rápido
comunicado governamental tenha deixado claro que o Executivo não se deixará
condicionar por protestos como os manifestados no ISCTE. Mas a dúvida
mantém-se: um ministro que não tem condições para sair à rua tem condições para
governar?
No: Jornal de Notícias
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