É fácil imaginar por que quer Vítor Gaspar controlar o fluxo dos fundos comunitários: se os salários são rígidos; se a Saúde é difícil de controlar; se a despesa dos ministérios não pode descer mais; se os gastos no Estado Social estão a subir... onde há de o ministro das Finanças ter mais uma nova válvula de controlo do défice do Estado? Aqui, nos fundos comunitários. Claro que isto vai atrasar os pagamentos à economia real, mas não há nada a fazer quando as contas parecem escapar do controlo das Finanças.
Passos Coelho chama a toda a refrega "reprogramação estratégica dos fundos". É evidente que, entre a tragédia de não cumprirmos o défice e a desgraça do desemprego ascendente, a primeira ainda é mais grave que a segunda. Sem contas mais ou menos sérias no Estado, não há credibilidade do país e dinheiro fresco. Consequentemente, sem crédito o desemprego não parará de crescer.
Os problemas reais por detrás da decisão sobre "quem manda nos fundos" é que são graves. Repare--se: ainda há dois dias o jornal Público assinalava que a dívida das parcerias público-privadas na Madeira são 69% acima das expectativas da Inspeção de Finanças, somando 1191,8 milhões de euros, mais 779 milhões do que Gaspar tinha contabilizado. A dívida das empresas públicas regionais é superior a três mil milhões de euros embora o plano de privatizações admita apenas 25 milhões em receitas... Como se sai daqui?
É por contas como estas que se torna indigno ver Passos Coelho a solicitar a Alberto João Jardim para ser seu mandatário político na Região, a propósito de uma coisa menor como era a sua óbvia reeleição no partido. Para quê? Como já se disse, o acordo de saneamento financeiro da Região foi um brutal embuste de "responsabilidade". O presidente da Madeira governa até 2015 mas a amortização da dívida só começa em 2016 (quando Jardim já lá não estiver). João Jardim é um adversário "independentista" mas logo a seguir "mandatário regional" de Passos. Isto releva um discurso público do primeiro-ministro "a-fazer-de-conta" que é duro e um discurso privado dengoso, escorregadio. Não se pode fazer coisas assim e achar que as pessoas não notam. Faz lembrar Sócrates, que achava que podia fazer tudo, inimputavelmente.
Querer a cabeça de Álvaro Santos Pereira nesta refrega dos fundos comunitários é um aproveitamento estratégico dos lóbis que pretendem pôr o ministro a rolar daqui para fora bem depressa. É verdade, o estilo do ministro não bate certo com a facilidade com que se resolviam as coisas com os socialistas Manuel Pinho ou Mário Lino. Mas o tempo da embriaguez "keynesiana" já lá vai: não deu em crescimento económico. Deu em falência. A conta está à vista. Por isso vale bem a pena esperar para ver se a equipa da Economia consegue reverter os escandalosos negócios das parcerias público-privadas e onde aparecem à cabeça a EDP, a Brisa, algumas corporações da saúde e dos negócios financeiros e, por fim, os grandes gabinetes de advocacia.
São, obviamente, muitos adversários para o homem de Viseu que um dia emigrou para o Canadá e há poucos meses aterrou em Lisboa sem conhecer quase ninguém. Falta ver se venderá a alma pelo poder: obriga ou não a reduzir os milionários contratos das eólicas e barragens? Consegue impedir que a Brisa aumente as portagens todos os anos? Cai na tentação de entregar o porto de Leixões e o aeroporto do Porto aos primeiros interesses que acenarem com alto cheque mas condenem a economia a Norte? Mantém a ideia de fazer uma ferrovia em bitola europeia? Resiste ao lóbi que insiste em fazer rapidamente o aeroporto de Alcochete, como se viu ainda no "Expresso" deste fim de semana? Consegue sobreviver aos sindicatos dos transportes?
A sentença mediática sobre Álvaro está dada: acabou. Mas a realidade pode não ser essa. Tem muito para fazer. De mãos livres? Aqui se verá a fibra de Passos
Daniel Deusdado, no JN
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