O "Fórum das Regiões", defende uma Região Norte coincidente com a actual região-plano (CCDR-N) e um modelo de regionalização administrativa, tal como o consagrado na Constituição da República Portuguesa.

O "Fórum das Regiões", considera a Regionalização o melhor modelo para o desenvolvimento de Portugal e para ultrapassar o crescente empobrecimento com que a Região Norte se depara.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Caciques

Conta-se que o rei da selva anunciou um dia que iria expulsar dos seus domínios todos os animais com bocas desmesuradas, ao que o hipopótamo prontamente respondeu, muito espremido: "coitadinho do crocodilo!"

Vem isto a propósito da geral estupefacção perante "a revelação" do buraco financeiro da Madeira, tão mal oculto que circulava até em versão impressa, e tão oportunamente denunciado: estafada a justificação dos actuais tormentos financeiros pelo despesismo e patológica propensão para a mentira do Governo anterior - que teria enganado os eleitores em 2009, protelando a terapia de choque que já então se preconizava -, eis que surge das ilhas nova justificação providencial: o demónio da autonomia. Se a corte de Lisboa governasse com mão firme, sem a menor condescendência pelas "liberdades locais", nada disto poderia acontecer... Quando os responsáveis do partido que governa em Lisboa disfarçam as responsabilidades próprias com a invocação da autonomia do partido que governa no Funchal, atingimos as raias da esquizofrenia.

Inevitável será a vitória de Jardim nas próximas eleições regionais. Provavelmente, já será tarde para evitar a vergonha colectiva de assistirmos à "relegitimação eleitoral" do primeiro responsável pelo estado a que "aquilo chegou". Antes da invenção do sistema prisional, na Idade Média - a genuína matriz cultural do presidente da Madeira - usava-se o pelourinho para expor à reprovação colectiva quem ofendesse as regras elementares de convivência social. Felizmente, o conceito de "moralidade pública" mudou substancialmente ao longo dos tempos e sofisticou-se o regime de sanções. Por isso, não é admissível que se transforme o supremo exercício de responsabilização política que são as eleições, numa democracia, em plebiscito de padrões de conduta que ostensivamente advogam o desprezo pela autoridade das leis do Estado de Direito. Se os correligionários do continente não conseguiram convencê-lo a renunciar à candidatura, no mínimo, deviam confessar o seu fracasso e anunciar a penitência. Porque o povo não é estúpido. Se Jardim ganhar, é porque os eleitores reconhecem algum benefício da sua insólita governação.

Nestes dias de espanto e hipocrisia perante a "descoberta" do buraco financeiro manhosamente oculto e arrogantemente assumido pelo presidente do Governo Regional, surpreende-nos a insinuação mais ou menos aberta de que a origem do problema resida na autonomia regional. Os argumentos não são novos. Bem pelo contrário, temos assistido à penosa reiteração dos preconceitos que identificam o Poder Local com o desperdício inútil em obras de fachada e fontanários nas rotundas, a circulação caótica e o licenciamento venal, a corrupção e o compadrio. Coisas, enfim, que todos sabemos que existem, que subsistem largamente impunes, e que apenas assumem contornos mais discretos e resultados mais lucrativos, à medida que se sobe na hierarquia do poder. E contudo, paradoxalmente, pretende-se que o mesmo centralismo que gerou essa inimputável monstruosidade à sua própria imagem e semelhança seja o remédio para a curar.

É a desconfiança e a mesquinhez do centralismo que geram a subserviência e a arrogância dos caciques. A incompetência de cima reproduz-se abaixo e por reflexo condicionamento, os mais "fortes" conseguem, displicentes, a complacência que os sustenta no poder. Caciques e centralistas são duas faces da mesma moeda, almas gémeas que reciprocamente se alimentam e reforçam em perversa simbiose. É assim há muito tempo. Desiludido com o liberalismo monárquico e com os governos da "regeneração", já o poeta açoriano Antero de Quental, insubmisso e republicano, explicava nas célebres Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, a 27 de Maio de 1871, que uma das três causas principais da decadência dos povos peninsulares, "nos últimos três séculos", fora "o estabelecimento do absolutismo, pela ruína das liberdades locais." "A centralização monárquica, pesada, uniforme, caiu sobre a Península como a pedra dum túmulo".

Mudam-se os tempos... quando mudam as vontades?

Jonal de Noticias

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