O processo de reenquadramento financeiro do
país não tem corrido a par de decisões no âmbito económico capazes de amortecer
enormes estragos. Os efeitos práticos das decisões têm sido dolorosos e deles
tem resultado uma resistência feita na base de uma economia de guerra. Isto é:
as várias perdas - de trabalho, de poder de compra, de famílias estruturadas e
por aí fora - têm obrigado à tentativa de um contrabalanço pela via da
frugalidade.
Os resultados de um tal método estão longe de
ser recomendáveis. À recessão soma-se recessão e abrem-se brechas cada vez
maiores por entre as quais a sociedade surge mais e mais cambaleante,
contabilizando danos escusados.
Nas aldeias, vilas e cidades de Portugal a
atividade comercial e industrial definha todos os dias. E todos os dias surgem
novos escombros aos quais fica associada uma garantia: a cada um deles
corresponde menos economia e mais desemprego e miséria.
Por muito mediatizada, a retração no setor da
restauração é, talvez, a mais notada. Sem dinheiro nos bolsos o povo tem
trocado os restaurantes pelas marmitas nos jardins públicos ou empregos e as
refeições em casa.
Sobra-lhe a vantagem do maior convívio, no contraciclo às
falências de mais e mais restaurantes e bares.
Do encadeamento das dificuldades nada de bom é
possível augurar enquanto não surgirem políticas alternativas - e de rotura.
Notório exemplo: o fim noticiado pelo JN do
"Direito à Alimentação", um programa altruísta desenvolvido pelos
restaurantes aglomerados numa associação representativa (a AHRESP) e que
permitiu entre 2011 e 2012 fornecer 45 mil refeições gratuitas a pessoas
carenciadas de 91 concelhos de Portugal. A inflexão do negócio, a troca
involuntária do lucro pela penúria e a falência de milhares de empresários
puseram fim a um elo mais da cadeia indispensável da solidariedade de um país em dificuldades. Nenhuma
boa intenção é possível de ser levada à prática sem meios realistas para as
viabilizar.
A impossibilidade de prosseguir o
"Direito à Alimentação" é só mais um aviso sobre as sequelas de uma
austeridade praticada sem escapatórias - no caso vertente fazendo o setor da
restauração acumular falências e desempregados. O alerta deve, porém, ser
também aproveitado para a alteração de alguns métodos de vida e para os quais é
uma tontice culpabilizar o programa de ajustamento em curso. Basta recordar
o facto de se estimar em um milhão de toneladas o desperdício de alimentos por
ano para se considerar indispensável a modificação de comportamentos.
Naturalmente dos que ainda dispõem do direito (regalia?) ao sentimento de
posse.
Fernando Santos, no JN
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