“Houve corrupção no
caso dos submarinos”
Paulo Morais, Vice-presidente da
Associação Transparência e Integridade lança hoje em Lisboa o livro 'Da
Corrupção à crise – Que Fazer?'
Fala de corrupção generalizada
na política em
Portugal. Começo pela pergunta que faz no fim do seu livro:
“Haverá na vida pública nacional corajosos que queiram calar o medo e trilhar”
o caminho do combate à corrupção?
Há muita gente na vida pública que odeia a
corrupção, porque conhece os seus mecanismos e os malefícios que ela provoca. É
necessário que alguns percam o medo e passem a deixar de ter vergonha de a
combater. Maior vergonha é viver neste pântano, no meio de tanta corrupção.
Não se corre o risco de
aparecerem demagogos em razão dessa acusação generalizada aos políticos?
Este é o maior dos perigos, o surgimento dum
populista demagogo que leve atrás de si multidões para o abismo. Hugo Chavez
ganhou o poder na Venezuela, hoje o país mais corrupto da América Latina,
prometendo combater a corrupção. Hitler chegou ao poder apoiado por uma
multidão de seis milhões de desempregados. O caldo em que vivemos é propício a
novas ditaduras. A culpa é dos políticos que aviltam a democracia e desperdiçam
a liberdade.
Praticamente ninguém se salva
no livro, de Cavaco Silva a Passos Coelho, passando por Paulo Portas, António
Guterres e José Sócrates. Mas qual é para si o político mais corrupto em
Portugal?
Esse é um campeonato em
que são muitos os candidatos. No livro estão lá todos, ou quase. Mas, nos dias
de hoje, o maior responsável é claramente o Presidente da República, pois
permite com o seu silêncio e inacção que a situação continue a agravar-se.
Sendo o Presidente o responsável pelo regular funcionamento das instituições
ignora o que há de mais irregular nas instituições, que é a
corrupção.
Mas há provas concretas de
corrupção em relação a algum político no activo?
Os tribunais alemães
provaram que houve corrupção no processo de aquisição de submarinos. A
corrupção está pois provada neste processo. Por isso, no seio do grupo
constituído por António Guterres e o seu ministro da defesa Rui Pena, por um
lado, e Durão Barroso e o seu ministro da Defesa, Paulo Portas – nestes quatro,
um pelo menos é corrupto ou cúmplice. Os restantes serão vítimas, já que sobre
eles impende a suspeita fundada de corrupção.
A dívida dos privados é hoje um
dos problemas portugueses. Porque é que diz ser mentira que os portugueses
gastaram acima das suas possibilidades?
A dívida privada, no início de 2009, quando a
crise surge, era constituída maioritariamente por dívida imobiliária. E esta
resultou essencialmente de especulação imobiliária. Construíram-se casas que
foram vendidas acima do seu real valor, valorizaram-se artificialmente terrenos
para mais tarde serem expropriados por valores milionários e até houve casos em
que os bancos financiaram projectos que nunca se vieram a construir. Os
promotores imobiliários capturaram o poder local e criaram uma enorme bolha
imobiliária que todos estamos a pagar. Quanto aos gastos em bens de consumo,
telemóveis, viagens ou automóveis, representam apenas quinze por cento do valor
do endividamento privado.
Escreve que a situação
financeira é resultado da má gestão dos dinheiros públicos ou da corrupção: as
gorduras do Estado não existem?
É verdade que há
gorduras e má gestão. Mas a parte maior da dívida pública deve-se aos danos
provocados nos sucessivos orçamentos de estado pela corrupção. A corrupção na
Expo 98, no Euro 2004, na compra dos submarinos, no BPP e no BPN, entre outros,
custaram ao povo português dezenas de milhar de milhões de euros. E isto já
para não falar na sangria permanente com as parcerias público-privadas
rodoviárias ou com a ponte Vasco da Gama. Nestes negócios, o Estado português
derrete milhares de milhões de euros em cada ano.
Refere que a Justiça não
funciona, mas Isaltino Morais foi agora detido. Tarde demais?
Foi tarde e soube a
pouco. Em Espanha, só o escândalo de corrupção urbanística "Malaia"
levou à prisão mais de cem autarcas.
Como é que analisa o percurso
da actual ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz?
Até agora, não
aconteceu nada de relevantemente positivo; nem de particularmente negativo.
Tudo como dantes…
Concorda com a lei de
penalização do enriquecimento ilícito?
Concordo. É um
instrumento fundamental
Como é que se pode combater
eficazmente a corrupção?
A nível de cada um dos
cidadãos, perdendo o medo e sendo militantemente sério, não permitindo
vigarices à nossa volta. Em termos de intervenção mais política, há que
aumentar a transparência na vida pública, em particular ao nível das contas
públicas. Tem de se simplificar a legislação confusa e obscura. E há que punir
os criminosos e, sobretudo, o estado português deve actuar no sentido de
recuperar os activos que são roubados ao povo através dos mecanismos da
corrupção.
Foi vereador e vice-presidente
da Câmara Municipal do Porto, mas acabou por sair depois de ter afirmado que os
negócios imobiliários "financiam partidos, campanhas e dirigentes".
Chegaram a tentar pressioná-lo a si?
Como vê a candidatura de Luís
Filipe Menezes à Câmara do Porto?
É uma candidatura
ilegal. Mas provavelmente, como muitas ilegalidades em Portugal, continuará à
solta.
Não teme ser processado por
todos os que acusa neste seu livro?
Não. Talvez me
processem por dizer a verdade. E, de facto, a verdade em Portugal é incómoda…
Qual seria a sua primeira
medida se fosse primeiro-ministro?
Nacionalizar a Ponte
Vasco da Gama, expropriar as PPP. Com o ganho que daí decorre, baixar de imediato
o IVA e o IRS. De seguida, tributar o património imobiliário dos especuladores,
que está isento de IMI.
Mário Soares disse em
entrevista que Paulo Portas está a ser vítima de chantagem do governo por causa
dos submarinos. Será isso possível?
Não sei. Mas acho
estranho que Portas não seja o primeiro a querer ver esclarecido o caso dos
submarinos. Pois, se há corrupção provada, e ele não é de facto responsável no
processo, então será a primeira vítima.
Mário Soares também é
responsável pela corrupção na política?
No documento que
instituiu o regime, o programa do Movimento das Forças Armadas, refere-se o
"combate eficaz à corrupção" como um dos objectivos de implementação
imediata. Todos aqueles que pactuaram com a corrupção, a permitiram e não a
combateram militantemente, traíram esse objectivo fundacional do 25 de Abril.
Voluntariamente ou não.
Meu caro amigo Paulo Morais, já sabe que conta com o meu voto e com o meu empenho para isso. Depende de si candidatar-se ou não! Abraço e coragem.
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