O alargamento do prazo para o reembolso da
dívida às instituições europeias é uma boa notícia que tardou demasiado a
chegar. Desde o início do actual processo de ajustamento, houve quem duvidasse
da razoabilidade das metas estabelecidas no memorando de entendimento. Esse
cepticismo não decorria, em muitos casos bem pelo contrário, de uma
discordância de fundo relativamente ao que se prescrevia. O que estava em causa
era o ritmo a que as correcções deviam ser introduzidas e as expectativas
quanto aos seus efeitos. As características estruturais da economia portuguesa
e a evolução da economia europeia que, já na altura, se podia antecipar
tornavam inevitável a concessão de mais tempo e a redução dos custos. Se, num primeiro
momento, o argumento da necessidade de readquirir credibilidade tornava
aceitável que o Governo não quisesse agendar a revisão dos termos do memorando,
os sucessivos desvios entre os resultados alcançados e os previstos tornam
difícil compreender por que se continuou a fazer de conta que tudo estava a
decorrer normalmente e que se tratava apenas de fazer alguns ajustamentos
pontuais. Essa teimosia, fruto do dogmatismo, tem tido resultados desastrosos.
Sem uma estratégia, Portugal tem vogado ao sabor de ajustamentos
circunstanciais, de curto prazo, que se limitam a constatar que a casa está a
arder e a tentar apagar mais aquele fogo. Se o Governo não está isento de
culpas, a maior responsabilidade recai na troika, incapaz de reconhecer os
erros técnicos do programa ou de o ajustar à dinâmica da envolvente
internacional e, sobretudo, de o enquadrar num processo de ajustamento
estratégico sustentável e compatível com a preservação de um regime
democrático. Actuaram como meros credores. Impuseram a sua vontade, os seus
modelos, descurando o tempo e a história.
Tenho más notícias para eles. Chegados ao
ponto a que chegamos, ainda que as reformas estruturais venham a produzir
efeito, não se vê que as mesmas venham a gerar um potencial de crescimento que
nos permita pagar a dívida entretanto acumulada. Sem um perdão parcial da
dívida ou uma descida acentuada do seu custo (ou uma combinação das duas
condições), o bem-estar dos portugueses (e o regime democrático?) estará
comprometido por muito mais de uma década, por mais esforços que continuem (e
têm de continuar!) a ser feitos no sentido de racionalizar a despesa pública.
Não é um palpite. Basta olhar para o país real. A nossa microeconomia, empresas
e pessoas, tem um potencial limitado, e mesmo esse continua condicionado por
políticas industriais erráticas (e mal desenhadas, como Gaspar gosta de dizer)
e, em especial, pela ilusão de que os problemas do crescimento têm uma solução
na macroeconomia. Quanto mais persistirmos em fantasiar que estamos no caminho certo
e em aplicar remendos pontuais, vogando sem rumo, sem metas exigentes mas
perceptíveis, mobilizadoras e viáveis, tanto mais longo, doloroso e, por fim,
falhado será o processo de ajustamento. Se aprendermos alguma coisa com o
primeiro resgate (feito tarde e "com as calças nas mãos"), é tempo de
confrontar a troika com aquele cenário, tirando dele todas as consequências.
Não se trata de não querer, trata-se de não poder. É certo que nos falta uma
estratégia para o crescimento que não iluda escolhas mas que possa ser plural.
Como base de negociação talvez bastasse um documento mais comezinho,
explicitando os vários cenários decorrentes de diversas alternativas de
cumprimento do memorando de ajustamento. Um documento consensual no arco
governativo, nos parceiros sociais e na Presidência da República. A partir dele
quiçá fosse possível negociar o que hoje é considerado impossível. Até porque
não estamos sós, como começa a ficar patente.
AEuropa está infestada de líderes fracos que,
como mostra a história, se refugiam em dogmatismos potencialmente perigosos
pela adesão ou reacção extremista que podem gerar, hipotecando o projecto
europeu. Quiçá Portugal possa dar um contributo para recolocar a política na
agenda europeia. Poiares Maduro alimenta-nos essa esperança.
Alberto Castro, no JN
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