Mal nascia, a criança era logo submetida a um rigoroso exame. Se lhe detetassem sinais de doença física ou mental (ou não fosse julgada suficientemente robusta), era pura e simplesmente eliminada. Na velha Esparta não se brincava em serviço. Os pais espancavam regularmente os filhos, com o objetivo de os tornar mais fortes. Se eles não aguentavam e morriam, o mal era deles. Desde o nascimento até à morte, os espartanos eram pertença do Estado. Rigor, frugalidade e disciplina eram a marca de água desta cidade-Estado que governou a Grécia após ter vencido Atenas nas guerras de Peloponeso. De tal forma que espartano passou a ser sinónimo de austero.
Na Grécia antiga, os espartanos não eram os únicos a menosprezar a vida humana. Na "República", Platão defende a eliminação física dos velhos, fracos e inválidos, argumentando que esse sacrifício seria proveitoso para o fortalecimento da economia e do bem-estar coletivo.
Os tempos espartanos em que vivemos exigem aos governantes que temperem com enormes doses de bom senso e respeito pela dignidade humana o urgente esforço de racionalização dos gastos públicos e de combate ao desperdício.
Se, por absurdo, os portugueses com mais de 65 anos fossem privados do acesso aos cuidados de saúde públicos, isso iria imediatamente aliviar o défice do SNS. Abreviar a vida dos idosos teria ainda efeitos benéficos para a sustentabilidade da Segurança Social e inverteria a preocupante tendência para o envelhecimento da nossa população.
Mas apesar dos tempos de austeridade em que vivemos, ninguém no seu perfeito juízo teria a lata de sugerir impedir o acesso dos mais velhos a cuidados de saúde públicos como medida tendente a diminuir o défice. E ainda bem que assim é.
Do estrito ponto de vista da racionalidade económica, as contas públicas beneficiariam se pegássemos nos 430 habitantes do Corvo e os realojássemos num empreendimento que o senhorio do dr. Relvas (o benfiquista e promotor imobiliário Vítor Santos, também conhecido por Bibi, que se celebrizou ao gabar-se que não pagava IRS) eventualmente tenha vago em Almada.
Mas apesar dos tempos espartanos em que vivemos, ninguém no seu perfeito juízo teria a lata de propor despovoar o Corvo, abandonando a ilha a ocasionais observadores de pássaros. E ainda bem que assim é.
Pena é que sob o louvável pretexto da racionalização dos serviços públicos, governantes com um fraco conhecimento da realidade do país estejam a fechar o interior norte e centro do país, transformando--o numa imensa reserva natural desabitada, que se for bem promovida internacionalmente será visitada por muitos turistas estrangeiros - já que os de Lisboa, esses continuarão a preferir passar os tempos livres nos montes alentejanos ou nas praias ou campos de golfe algarvios.
Jorge Fiel, no JN
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