Entendamo-nos: só por falácia é possível exigir a algumas áreas do Estado a apresentação de contas positivas. Os (muitos) impostos pagos pelos cidadãos visam dar cobertura a uma parte dos custos de exploração de serviços de eminente cariz social. Faz, pois, todo o sentido, por exemplo, a canalização de meios financeiros para a cobertura do défice do Serviço Nacional de Saúde ou dos transportes públicos.
Conversados sobre o princípio geral, sobram métodos de gestão anacrónicos a justificar deslizes gigantescos nas contas.
O caso do setor dos transportes é paradigmático. Superior a 20 mil milhões de euros, o passivo acumulado pela CP, Carris, Metro de Lisboa, Metro do Porto, STCP, TAP, Transtejo e Soflusa é de todo incomportável. Numa parte tem origem, como é óbvio, num incontornável défice gerado pelo pesado investimento em infraestruturas e bilhética abaixo do custo; noutra, no entanto, é fruto de ruinosas decisões administrativas.
Enquanto nos gabinetes governamentais se congemina a reestruturação das empresas públicas de transportes, por estes dias está na moda denunciar as mordomias dos trabalhadores. E é fácil, mas demagógico, crucificá-los.
O país fica naturalmente chocado ao saber da existência de um prémio de assiduidade ou de um subsídio de quilometragem atribuídos aos maquinistas do Metro de Lisboa; é difícil não classificar de intolerável o facto de os trabalhadores da CP usufruírem de viagens gratuitas, extensíveis aos cônjuges, pais, filhos, enteados e... irmãos solteiros! Fica-se aparvalhado ao conhecer-se um prémio de assiduidade por cada mês de trabalho completo na Transtejo; e, espanto dos espantos, que dizer da existência de barbearias nas estações da Carris, apetrechadas para uso privativo de todo o seu pessoal, incluindo reformados?
A indignação geral de um povo causticado pelos sacrifícios é legítima e manda o bom senso reverterem-se situações de privilégio - embora possam contribuir em escala reduzida para baixar défices de exploração injustificados. É, no entanto, enviesada a ideia de atribuir aos trabalhadores das empresas públicas de transportes a responsabilidade por tamanhos despautérios. Muitas das situações de privilégio resultam de reivindicações levadas à mesa das negociações pelas comissões de trabalhadores e sindicatos, e perante as quais sucessivos conselhos de administração se acobardaram, vergando--se e dando assentimento à integração na contratação coletiva ou em acordos de empresa!
Haja, pois, algum decoro e a limitação da intoxicação pública.
Parte substantiva da acumulação de défice público do país é consequência de péssimos atos de gestão - as PPP são o mais fresco e desastrado exemplo!. Muitos políticos e gestores têm passado incólumes a erros grosseiros, nalguns casos acabando por saltitar de poder em poder, de administração em administração, entre estatuto social, ordenados chorudos e prémios principescos. Ora, tais percursos têm sido errados; alguns deveriam já estar a ver o sol nascer aos quadradinhos
Jornal de Noticias
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